O. é uma dessas “bandas estranhas” saídas do caldeirão cultural da Londres das últimas décadas. Vem de lá nomes de um rock, digamos, mais experimental – como black midi, Squid e Black Country, New Road –, além de artistas bastante interessantes do jazz britânico – Nubya Garcia, Ezra Collective e Shabaka Hutchings. O duo formado pelo saxofonista Joe Henwood e a baterista Tash Keary parece surgir como intersecção desses dois universos que, para alguns, podem até parecer distantes. Afinal, como seria um jazz feito aos moldes do pós-punk ou vice-versa?
Dan Carey é quem comanda a produção de WeirdOs, o aguardado disco de estreia da dupla. Celebrado na cena inglesa não apenas pelo selo Speedy Wunderground, Carey fez sua carreira trabalhando com artistas como Bat For Lashes, Tame Impala e Chairlift – e mais recentemente esteve envolvido com diversos nomes quentes da cena britânica, como Wet Leg, Fontaines D.C. e Squid. Ele, inclusive, já havia colaborado com Joe e Tash no ótimo single de estreia “OGO” (2022) e no EP Slice (2023).
Ao repetir a parceria com o produtor, a dupla aproveita um espaço ilimitado para explorar e experimentar. Ainda que formado por apenas saxofone e bateria, o som do grupo consegue soar expansivo, escorado em uma série de pedais e efeitos para o sax de Joe, enquanto Tash conduz uma sessão rítmica riquíssima, que sabe quando crescer e se recolher. A alquimia sonora do duo é surpreendente – assim como o barulho que apenas duas pessoas conseguem criar. O resultado é um caos contido, que apresenta uma forma única de conduzir todos esses decibéis, combinando e recombinando sons de formas malucas.
Com apenas 10 faixas, o duo é inventivo e nunca se prende a uma fórmula. Cada composição é dona de um universo próprio. “TV Dinners”, por exemplo, faz o saxofone soar ora como guitarra, ora como sintetizador, e a dupla desenvolve um funk grandiloquente que desemboca num quase techno. “Micro” mostra Tash acelerada em suas batidas de drum ’n’ bass, enquanto Joe se encarrega dos graves em uma torrente melódica ruidosa. Já a labiríntica “Whammy” é como uma trilha noir, enevoada, que seduz ao mesmo tempo em que assusta – poderia facilmente estar presente em algum filme de David Lynch.
O registro segue entre a catarse de “176”, a intensidade de “Green Shirt”, o tom meditativo de “Cosmo” e a opulência de “Sugarfish”. WeirdOs é abrasivo, sem amarras, quase anárquico – e, sobretudo, um resultado afiado de um híbrido entre o que há de mais interessante na atual cena britânica. É um liquidificador de ideias, temas e sonoridades. Sobre aquele papo de ser mais jazz ou pós-punk: isso realmente importa?
(WeirdOs em uma faixa: “Green Shirt”)