No palco do festival Lollapalooza Brasil, em março de 2024, o cantor Omar Apollo fez uma piada autodepreciativa ao responder aos fãs que pediam, em coro, para que tirasse a camisa. “Não posso. Da próxima vez que eu voltar. Preciso ficar forte”, brincou. God Said No, seu segundo disco, parece dar uma resposta tardia àquele desejo de intimidade. Longe do apelo físico, compartilhar dores, experiências e, sobretudo, perguntas, é algo que na perspectiva de Apollo tende a ser tão provocativo quanto.
Em 14 faixas, nem sempre homogêneas e que expõem um som mais amadurecido, embora sem grandes giros de direção, o projeto ironiza, logo no título, os revezes do destino. Ao despir vulnerabilidades, soa como um rascunho das questões sentimentais que o autor insiste em ruminar, muitas vezes se assemelhando a uma conversa de WhatsApp. Esta, aliás, é a atmosfera requerida em “Pedro”, espécie de nota de voz enviada pelo amigo e ator Pedro Pascal. Mesmo que enumere desejos em momentos como este, Omar Apollo também busca ser tratado com responsabilidade afetiva, um trunfo de sua geração que já nasceu terapeutizada.
O cantor reconhece falhas e propõe um sem fim de indagações, da primeira à última faixa, quando seus pensamentos intrusivos finalmente se dissipam. Como se soubesse que navega em águas salgadas e imprevisíveis, Apollo decide dar início à sua travessia com parcimônia e coloca só a ponta dos pés nesse oceano de incômodos através de “Be Careful With Me”, abertura que se deixa conduzir por riffs de guitarra acústica e uma batida de trap. Na incerteza de saber se o rapaz por quem está apaixonado sente o mesmo, repete o pronome “Me” 73 vezes, um discurso que reflete a prioridade dada à investigação das próprias emoções — um processo importante, mas nem sempre agradável, que o coloca como discípulo da amiga SZA.
Esquivo de melodramas, o cantor prefere fazer mosh no tumulto da indecisão, tema que permeia o single “Spite”. Trata-se de um retrato do naufrágio de suas concessões em uma relação à distância. A música ganha ritmo pela mescla de bateria e sintetizador que, bem-vinda, evoca a clássica estética hip-hop Lo-Fi, já tradicional em seu repertório, mas aqui empregada em um tom suavizado. “Odeio o fato de que ainda preciso de você na minha vida / Você é o único lugar para onde quero ir”, diz em um dos trechos.
Essa dualidade ainda encontra eco na herança mexicana de sua família. Se em Ivory (2022), primeiro álbum, Apollo decidiu interpretar um tema inteiro em espanhol, em God Said No isso fica em segundo plano. Uma vez que o idioma carrega consigo a pecha de ser intenso, só uma das estrofes de “Empty” é que o afoga na impossibilidade do diálogo. Ele tenta captar a atenção do outro em uma língua que não a sua. “Você me deixou vazio / Cantando em outro idioma para que me entenda / Não quero que saiba o quanto me dói / Não quero te ver / Quero tê-lo todos os dias”, defende-se, com a voz distorcida.
Na mesma onda chega “How”, canção com alma lado B em que o afastamento desemboca na fatigante obrigação de criar uma nova rotina. Entregue à carência, Apollo trai a própria consciência em “Against Me” ao abraçar a honestidade incorrigível do tesão. Recusando-se a aceitar que o destino não lhe reserva outra coisa além do fim, algo que consumará em “Done With You”, cai na pista com “Less of You”, um techno pop e sofisticado. “Queria que isso não fosse verdade/ A noite passada foi o nosso fim?/ Isso não é justo”, protela, dançando.
Certos de que se trata de um disco sobre término, seria natural imaginar que as baladas adquirem uma posição de protagonismo, ainda que o conjunto, em um discurso reincidente, acabe sendo um tanto moroso. Enquanto “While U Can” e “Plane Trees” não empolgam, “Life’s Unfair” aterrissa como um potencial hit radiofônico com moldes oitentistas. O R&B “Dispose of Me”, um exemplo de honestidade, dispensa aparatos técnicos ao posicionar o autor desarmado, mas também desprovido de paz. Se em momento Omar Apollo beija um estranho na tentativa de materializar seu velho amor, no outro cessa seus poderes ao afirmar: “Você está me fazendo sentir inseguro sobre coisas nas quais não pensava há anos”.
A certeza de estar à deriva atinge seu ápice em “Drifting”, canção etérea que, entre déjà vus, extingue horizontes. A ideia de atracar e, por que não, se refazer, só volta a ser cogitada em “Glow”, tímido encerramento que fala em cinzas e deixa claro que o autor não está pronto para seguir. Ao reconstruir diálogos e projetar cenários na tentativa de salvar um coração, God Said No, para além das obviedades românticas, dos artistas fabricados e das métricas malucas, abraça o sofrimento de um jeito singular, mostrando que sofrer é também estar vivo.
(God Said No em uma faixa: “Dispose of Me”)