Resenhas

Paul Heaton e Jacqui Abbott – What Have We Become?

Luta de classes, ironia e belas canções marcam o retorno de Paul e Jacqui

Loading

Ano: 2014
Selo: EMI/Virgin
# Faixas: 12
Estilos: Country, Folk, Rock Alternativo
Duração: 45:28min
Nota: 4.5
Produção: Paul Heaton

Talvez você não saiba, mas provavelmente conhece Paul Heaton há um bom tempo. É dele a voz responsável pela indefectível “Melô do Papel”, hit de 1987 de sua primeira banda, Housemartins. A canção, cujo título é Build, faz parte do segundo e último disco do grupo, The People Who Grinned Themselves To Death, que foi lançado no Brasil e emplacou a faixa em todas as paradas radiofônicas possíveis. Daí seu “apelido”, adquirido por conta do refrão e do sotaque nortista de Heaton. A vida do grupo durou pouco e ele formaria uma nova banda em 1989, Beautiful South, ao lado do baterista original, David Hemmingway. O baixista, Norman Cook, em pouco tempo mudaria seu nome para o apelido com que era conhecido na cidade: Fatboy Slim.

Heaton lançou dez álbuns com Beautiful South, sendo que, a partir do quarto, Miaow, de 1994, Jacqui Abbott assumiria as funções de cantora principal, ficando até 2000. As letras e canções compostas por Heaton migraram da fúria Punk/Soul/Socialista/Católico de Housemartins para um Pop retrô e polido, com nítida inspiração nas grandes produções americanas dos anos 60/70. Com a voz doce e calorosa de Jacqui, Beautiful South se tornou uma banda de grande sucesso e respeito, mas daquelas que não conseguem emplacar um single fora da Velha Ilha. Jacqui deixaria o barco após o nascimento de seu filho, diagnosticado autista, para dedicar-se aos seus cuidados em tempo integral. Heaton enfrentaria permanentes problemas com bebida e baixas vendas de seus discos solo a partir de 2006, quando a banda encerrou suas atividades.

Pois bem, estes dois parágrafos foram necessários para apresentar você, leitor/a, ao maravilhoso mundo destes dois personagens. Contra todas as previsões, a dupla se reuniu para gravar material inédito, composto por Heaton para Jacqui, o que resultou neste adorável e ensolarado What We Became, sem dúvida um título apropriado para gente com humor negro e britânico como Heaton. Mesmo com problemas de acoolismo, ele possui um pub bonito e ativo no Facebook na região de Salford, perto de sua Manchester natal, chamado The Kings Arms. Com uma queda permanente pelas clássicas cançonetas Country/Folk, mas com atenção redobrada e constante pelas diatribes narradas pelas clássicas criações dos grupos americanos de Soul Music, estes dois branquelos britânicos seguem a tradição de tietar a América imemorial da qual os ingleses tanto gostam. O resultado não poderia ser melhor e mais justo.

Já na abertura com Moulding For A Fool, a dupla canta em meio a um arranjo 100% Motown anos 60, muito bem feito e cheio de alegria. A próxima canção, o single D.I.Y, é uma delícia Country dançante, para nos lembrar o quanto os ingleses são responsáveis pelo surgimento deste gênero que sempre nos pareceu tão somente americano. Uma inegável guitarra introduz a próxima canção, a solene Some Dancing To Do, cheia de pianos pipocados e vocais dramáticos de Jacqui, que se desenvolvem naturalmente. One Man’s England é uma beleza mas guarda um lamento pela perda gradual das identidades em favor de uma globalização feita para os interesses de poucos, com o verso “making a one man’s England an other man’s hell”. A faixa título é uma espécie de continuação da anterior, fornecendo ainda mais informações sobre essa Inglaterra que deixa de ser inglesa a cada dia.

A leveza do Folk de violões dedilhados chega com The Snowman, com letra de amor e clima de canção sessentista obscura e uma indefectivel levada à la Van Morrison 67 surge em Costa Del Sombre. Outra canção de lamento pelo passado surge em When It Was Ours, com instrumental de Doo Wop, enquanto a voz canto-falada de Heaton surge sobre a cama de instrumentos singelos em I Am Not A Muse, para desaguar no frescor Pop clássico que é Stupid Tears, canção mais Housemartins do disco. O fecho está na adorável When I Get Back To Blighty, digna de ser trilha sonora de casal namorando suspenso no tempo.

What We Have Become é um clássico instantâneo. Para quem conhece o trabalho desta dupla, é mais que isso: é um reencontro com velhos amigos e receber deles um abraço de um sorriso de “está tudo OK conosco”.

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.