Resenhas

Pavement – Slanted and Enchanted

Trejeitos literários, rebeldia adolescente e a estreia de uma banda que ajudaria a definir os anos 90

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Ano: 1992
Selo: Matador
# Faixas: 14
Estilos: Indie Rock, Lo Fi
Duração: 39’
Produção: Pavement

No final do ano passado, o escritor norte americano David Berman nos deixou, mas não sem antes entregar para o mundo um testemunho intitulado Purple Mountains. No disco, um dos grandes exemplares do ano passado, Berman metaforizou sobre o peso de sua depressão, revelando uma profundidade tectônica na aparente vacuidade do cotidiano dos Estados Unidos

A trajetória de Berman como compositor havia começado em 1989 com a Silver Jews, banda que ele formara com o seu então colega de quarto, Stephen Malkmus – este, mais conhecido por ser o cabeça daquela que viria a ser o exemplo icônico da música americana dos anos 90, Pavement. No ano de 1990, Malkmus gravava o primeiro álbum completo da banda e, certo dia, ao voltar das gravações, encontrou um desenho colado na porta do seu quarto. De autoria de Berman, a inscrição exibia um boneco tosco e as palavras “Slanted, Enchanted”.

A amizade entre os compositores configura muito bem o espírito de Slanted and Enchanted, álbum que marca a estreia de uma banda noventista prototípica. Os trejeitos literários com que Malkmus compõe suas letras, o descontentamento juvenil, expresso e destilado ao longo de incursões noturnas com os colegas de república, formatam um estilo meio lírico, meio frugal, que ficou cravado como a marca do Rock Alternativo estadunidense.

O álbum traz melodias grudentas que são interrompidas bruscamente por algum ruído, algumas linhas de guitarra que soam meio desafinadas e versos que mudam de assunto como se estivessem sido declamados por alguém com déficit de atenção. O ambiente sonoro, sempre abafado, soa sintomático de uma banda que passa as suas horas dentro de uma garagem ou de uma van. Tudo, no entanto, joga a favor do mesmo efeito, criando um ar enigmático, fazendo com que Pavement fuja do óbvio e soe ao mesmo tempo sofisticado, acessível e jovial.

Desde que Slanted and Enchanted foi lançado no distante ano de 1992, o disco já foi revisitado algumas vezes – mesmo a despeito da aparente falta de interesse dos integrantes da banda. Uma versão intitulada Luxe & Reduxe, no aniversário de dez anos, conta com faixas gravadas ao vivo e alguns outtakes. Já o primeiro volume da coleção The Secret History, organizada pelo selo Matador no aniversário de vinte anos do lançamento, funciona como uma espécie de “shadow album”, reunindo faixas obscuras, lados b e raridades, compostas na mesma época do debute da banda.

Tais reedições apenas atestam a importância de Slanted and Enchanted e nos fazem retornar ao trabalho como um exemplo fundamental. Pavement, e em especial Slanted and Enchanted, que soa tão espontâneo, é o ponto focal de um zeitgeist: uma época e um grupo de amigos que transformaram um estilo de fazer música na referência de muitas bandas indies que vieram a seguir.

Slanted and Enchanted em uma faixa: “Summer Babe (Winter Version)”

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ARTISTA: Pavement

Autor:

é músico e escreve sobre arte