Resenhas

Pet Shop Boys – Please

Álbum de estreia da dupla transforma o ato de festejar em fazer político

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Ano: 1986
Selo: Parlophone
# Faixas: 11
Estilos: Dance, Pop, hi-NRG
Duração: 40’
Nota: 4
Produção: Stephen Hague

A primeira música do primeiro álbum de Pet Shop Boys se chama “Two Divided by Zero”. A faixa, anunciada por uma bateria eletrônica – cujo timbre hoje em dia parece resumir toda uma era musical –, antecipa assuntos que serão desenvolvidos ao longo de Please (1986): o encontro de duas almas apaixonadas, um desejo escapista de fugir à pressão da vida moderna, a catarse da vida noturna experimentada nas pistas de dança, e assim sucessivamente. Porém, mais do que revelar a essência de um álbum, “Two Divided by Zero”, contém a gênese daquilo que, olhando para o grupo agora, passados mais de trinta anos de seu debut, constitui a essência da dupla formada por Neil Tennant and Chris Lowe: a energia de duas pessoas indivisíveis em uma comunhão absoluta com a música. 

“Two Divided by Zero” sugere a história um casal apaixonado que alimenta a ideia de fugir de casa, em direção a Nova Iorque. De acordo com Tennant, a narrativa foi inspirada por uma experiência real: “quando eu era adolescente, essa garota, Maureen e eu, tínhamos essa ideia romântica de fugir para Londres, e às vezes costumávamos ir à Estação Central de Newcastle à noite para ver os trens indo para a cidade”. Esse jeito de compor, criando letras que fossem mais ou menos genéricas, mas evocativas o suficiente para que o ouvinte consiga projetar-se em cada canção – preenchendo os espaços vazios de acordo com os desejos de sua própria história pessoal – é um dos grandes triunfos de Please

No entanto, o álbum possui uma importância ainda maior que diz respeito a essa capacidade de identificação simbólica e que expande o espectro da música em direção ao comportamento e à sociedade. Please é uma espécie de marco Pop pelo que denota em termos de sexualidade e representação LGBTQ+, já que reflete o momento político em que foi criado. Um contexto particularmente difícil: o final de uma década na qual irrompeu uma crise da AIDS, doença rotulada na época como “o câncer gay” pela mídia de massa heteronormativa. Enfim, vale sempre lembrar que a afirmação e o empoderamento através de um estilo de vida promovido pelo Pet Shop Boys acontece em uma Inglaterra onde preconceitos, convenções e estereótipos eram sistêmicos.

“West End Girls”, por sua vez, foi o primeiro hit do grupo, e se tornou uma música emblemática, alvo de muitas paródias e referências, e estabeleceu a assinatura da dupla, determinando o caminho sobre o qual a banda haveria de evoluir.  Sua letra fala de uma espécie de sofrimento muito moderno: a angústia de viver na cidade grande e a noção catastrófica para alguém dos anos 1980 que assistia à hiper-urbanização do mundo. Nela, o vocal anasalado de Tennant dá a entender uma certa ironia, os baixos pulsantes, os timbres excessivamente sintéticos, falam de um momento onde tecnologia se funde à vida orgânica. 

Nas fotos e vídeos da época, a dupla aparece sempre sisuda e apática, e que, mesmo que sempre aberta à conversa, construía um imaginário sombrio ao redor de si. Entretanto, será interessante perceber como todas as canções de Please são feitas para dançar, amalgamando o Europop, o EDM, o Disco e o hi-NRG em sons coloridos a acessíveis. Mais do que isso, talvez: será importante notar como Pet Shop Boys, mesmo sem ser literal a esse respeito, nos dá a entender que o seu lema se concentra no ato de festejar como algo político.

Tennant e Lowe haviam se conhecido alguns anos antes do lançamento de Please, como um presente do destino, em uma loja de sintetizadores em Londres. Foi naquele momento que firmaram uma amizade cuja ignição aconteceu por um amor compartilhado pela música eletrônica. Em meio às muitas referências à vida noturna, o refrão de “Tonight is Forever” se destaca sobre as outras no álbum: de fato, a primeira incursão no mundo da música eletrônica de Pet Shop Boys marca premonitoriamente uma noite de celebração que durou para sempre.

(Please em uma música: “West End Girls”) 

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MARCADORES: Dance, Pop

Autor:

é músico e escreve sobre arte