Resenhas

Quantic – Magnetica

Disco é revelação e se mostra quase como um “documentário musical”

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Ano: 2014
Selo: Tru Thoughts
# Faixas: 13
Estilos: Electronica, Brokenbeat, Clubjazz
Duração: 58:26
Nota: 3.5
Produção: Will Holland

O Dj inglês Will Holland é um cara bastante antenado e com várias experiências interessantes na carreira. Começou no fim dos anos 1990 como guitarrista em uma série de bandas que nunca chegaram a lugar nenhum em termos de sucesso. Em algum lugar do caminho, Will percebeu que poderia ser mais feliz e relevante como DJ e, a partir daí, conseguiu atingir uma diversidade musical muito maior. Funk, Jazz, Soul, Dance e latinidades diversas passaram a compor o escopo sonoro do multiinstrumentista, que passou a se arriscar também no órgão, no baixo e no saxofone, num clima muito mais libertador que antes. A paixão de Will Holland por estilos de música negra o levou a procurar e pesquisar muito sobre o assunto, de tal forma que, quando lançou seu primeiro disco, The 5th Exotic, há treze anos, ficou evidente que ele era um promissor talento que surgia. E ele não era mais Will, agora atendia pela alcunha de Quantic.

Em alguns momentos, Quantic transformou-se em Quantic Soul Orchestra, mas a coerência com a diversidade rítmica sempre se manteve. Agora, lançando seu oitavo disco com a alcunha, Will recebe um grande número de convidados pare emprestar vozes e feeling ao seu pequeno caleidoscópio musical. A ideia é apresentar ao ouvinte algo bem próximo de um workshop de variedades e variações de facetas dançantes, sempre filtradas pelo arsenal sonoro do DJ e produtor. O efeito pode ser elucidativo muitas vezes, mas, de vez em quando, as melodias e arranjos soam plásticos demais, pouco contaminadas por alguma imperfeição de estúdio ou execução, ou seja, para ritmos amplos como Funk, Jazz e Salsa, a perfeição do aparato digital pode nos levar à impressão de que tudo é à prova de falhas. De qualquer maneira, o resultado é bem acima da média de “projetos” por aí.

A faixa título inicia o percurso pela conexão África-Caribe, sem muita cerimônia. Com metais sintetizados, efeitos viajantes e aquáticos, Holland nos avisa do que está por vir. You Will Return é cheia de amplidão, sons de pássaros tropicais, levada oscilando entre o Acid Jazz e algo muito próximo do que era conhecido por Salsoul na década de 1970. A cantora inglesa Alice Russell, já tarimbada nos projetos com Quantic, empresa seu timbre vocal bonito à canção. A escala na interseção Caribe-América do Sul nos leva a Descarga Quantica, com participação de Fruko e do veterano bandleader colombiano Michi Sarmiento. É Salsa com conexão wifi para o mundo.

O primeiro single, Duvidó, traz a participação da angolana Pongo Love, ou melhor, Engrácia Domingues. A letra em português é bem interessante e a ambiência sonora que Holland ergue traz efeitos sonoros digitais e batucada light tribal. A próxima faixa, a hipnótica e cadenciada Arada, traz a presença do etíope Dereb The Ambassador, cidadão de Sidney, Austrália, onde reside hoje. O passeio pela África se encerra com o retorno ao Caribe ideal, nos braços de La Plata, turbinada por percussões sintetizadas, levada clássica e a voz da colombiana Nidia Gongora. O instrumental Sol Clap introduz uma levada clássica de Reggae, levada adiante pelas quebradas do Toast, cortesia do anglo-jamaicano-novaiorquino Shinehead. A cantora e compositora paulista Iara Rennó aparece brejeira na simpaticíssima Caruru, uma espécie de antítese de toda música pulante e midiática feita no Brasil desde os anos 1990, serve como um verdadeiro exemplo do que poderia ser feito neste terreno.

A Guaracha do colombiano doido que é Aníbal Velasquez, surge com La Callejera, cheia de malabarismos no acordeon, marca registrada do velho músico nativo de Barranquilla. Nidia Gongora retorna na simpática Muevelo Negro, cheia de percussões, vocais e xilofones, enquanto o Brasil diz “presente” ao fim do disco, com Thalma de Freitas, na delicada Águas de Sorongo. Pra encerrar o percurso musical, Painting Silhouettes, com vocais do próprio Holland, dá uma sensação de canção perfeita para créditos finais de um filme que aparecem na tela após sua exibição.

Magnetica é um belo guia de introdução para curiosos pesquisarem as origens de tantos ritmos e sonoridades peculiares, uma espécie de documentário musical. Caia dentro.

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BOM PARA QUEM OUVE: Roy Ayers, Jazzanova, Bonobo
ARTISTA: Quantic

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.