Vestindo o indie rock com uma roupagem hardcore, o Raça sempre soube desenvolver uma sonoridade sensível, e, desde os primeiros trabalhos, passando por Saboroso (2016) e Saúde (2019), o quinteto paulistano construiu uma identidade muito própria, mas, ao mesmo tempo, trazendo novidades à mistura. Essa jornada até aqui foi essencial para moldar a sonoridade de 27, mais novo registro da banda, que une peso e delicadeza de forma envolvente e encantadora.
Com produção de Roberto Kramer (músico responsável pelo projeto RØKR), o quarto disco do Raça adiciona novas camadas e texturas a seu universo sonoro, além de adotar uma abordagem, digamos, “mais acessível”. O grupo soa mais leve e abraça de vez influências brasileiras como o lirismo da MPB dos anos 1970 e a produção centrada em sintetizadores dos anos 1980. Como resultado, o repertório tem astral menos melancólico do que o de discos anteriores, embora soe ainda mais reflexivo.
As letras de 27 se destacam por sua simplicidade, mas sem que caiam na armadilha de serem simplórias. Canções como “144” e “Amizade” são bons exemplos da habilidade do grupo em transformar vivências cotidianas em versos potentes – e aqui a mensagem é entregue de forma ainda mais direta. Temas como amizades perdidas (“144”), luto (“Gana”) e até a busca pela felicidade no trabalho (“Esse Sonho”) conseguem ressoar com o jovem adulto perto dos 30 – que talvez não tenha vivido de tudo, mas que com certeza passou pelo suficiente para aprender a lidar com questões delicadas de forma mais leve. É uma escrita sensível, ecumênica e repleta de nuances.
Como uma banda com raízes fortes no hardcore, é possível dizer que o Raça se transformou bastante – e é uma transformação acompanhada de evolução. 27, tanto pelas letras quanto pela sonoridade, é o disco mais maduro do grupo formado por Novato Calmon (baixo e voz), Popoto Martins (guitarra e voz), Thiago Barros (bateria), João Viegas (sintetizador e voz) e Santiago Obejero Paz (guitarra e voz). E mais do que um disco de indie/rock alternativo, 27 é uma muito bem-vinda e interessante amostra de uma espécie de ressurgimento do pop rock nacional, estilo esquecido durante a última década e que, quando bem feito, merece os holofotes.
(27 em uma faixa: “Amizade”)