O trabalho do músico inglês Richard Dawson chamou nossa atenção pela primeira vez em 2017, quando sua tour de force chamada Peasant veio ao mundo, um álbum do qual há uma força difícil de descrever.
Para compor Peasant, Dawson imaginou a vida em tempos medievais. Seu jeito improvável de cantar, suas letras muito vívidas, a afinação alternativa do violão e o ritmo muscular sob o qual se desenvolve sua música nos faz pensar em uma vida sobrecarregada de sujeira, acontecimentos, emoções – o filme Hard to be God talvez seja uma boa analogia visual – de onde pulsam cânticos de trabalhadores braçais, hinos de soldados que se preparam para a guerra, ou coisas assim.
Com o passar do tempo, essa hipertrofia musical continuou mais ou menos no mesmo ritmo – no seu último trabalho, por exemplo, intitulado The Ruby Cord, a música introdutória possui 41 minutos de duração. Por isso, o lançamento do novíssimo End of the Middle surpreende por um bom motivo. Aqui, continuam as suas melhores características: letras que pintam cenas surpreendentes, vívidas e contadas através de harmonias improváveis. Mas, com essa nova fase, surgem uma melancolia e um respiro que faziam falta em sua música: momentos mais líricos de contemplação.. Dawson mantém sua vocação de bardo, um excelente contador de histórias através da música, no entanto, agora foca o olhar para algo menor, mais delicado e frugal, de vidas comuns, ao menos para os seus padrões, vindas do interior do Reino Unido.
End of the Middle faz pensar um pouco na ouroboros ou em outras figuras que remetam a uma espécie de círculo vicioso, onde uma coisa nunca acaba no fim propriamente dito, mas sim no começo de uma repetição. O álbum trata, em geral, de maldições familiares que se perpetuam por gerações, de adultos que nunca abandonaram suas faltas infantis, crianças crescendo rápido demais e projetando as suas vidas baseadas nos comportamentos que observam no seio familiar, e assim por diante.
Em “Knot”, a festa de casamento de um conhecido não significa um ritual de passagem de uma fase da vida para a próxima, mas apenas uma convenção social insuportável com enroladinhos de salsicha e karaokê ruim. Em “The Question”, uma menina que via fantasmas na infância volta a ser assombrada por uma pergunta misteriosa enquanto tenta estabelecer uma vida adulta. Já em “Gondola”, uma joalheira, filha de um joalheiro, amarga o seu estilo de vida porque não teve a mesma oportunidade que seus irmãos de se afastarem do negócio da família.
Sem abandonar a sua lírica característica, Richard Dawson entrega o disco mais melancólico de seu catálogo, fazendo de End of the Middle uma pequena joia em sua vasta produção. A intensidade narrativa vem acompanhada por uma nova dimensão contemplativa, criando um espaço íntimo no qual histórias de vidas comuns ganham profundidade universal.
(End of the Middle em uma faixa: “Gondola”)