Resenhas

Richard Dawson – Peasant

Músico convoca pulsões ancestrais em excelente álbum

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Ano: 2017
Selo: Weird World/Domino.
# Faixas: 11
Estilos: Folk, Singer-Songwriter, Experimental
Duração: 58
Nota: 4.5
Produção: Sam Grant, Richard Dawson

No mês passado, enquanto preparávamos o terreno do Monkeybuzz para a chegada de Peasant, lançamos o artigo intitulado “Richard Dawson: Excentricamente Encantador”. Vou emprestar as palavras do texto de André Felipe de Medeiros porque estas resumem uma ótima introdução ao seu trabalho: “Ao que parece, falar de Richard Dawson é dialogar sobre alguma enorme força, seja ela interpretativa, vocal ou criativa. Não demora muito para, assim que ouvimos qualquer uma de suas músicas, repararmos que estamos diante de uma grande potência.”

Dawson é um artista inglês que, embora já tenha alguns anos de estrada contabilizados no currículo, recebeu aclamação da crítica com o lançamento de Nothing Important (2014), um álbum experimental e obscuro e, justamente por isso, fascinante de ouvir. Peasant, sua empreitada da vez, embora aprofunde a complexidade de pensamento que conhecemos no antecessor, soa muito mais generoso aos nossos ouvidos.

Para compor Peasant, Dawson imaginou a vida em tempos ancestrais e elaborou uma narrativa que se passa em uma Europa medieval, pré-Império Romano, mas sem especificar exatamente de que recorte da Idade Média estamos falando, deixando a incerteza fundir nossa perceção de um mundo mágico e sombrio no qual pulsam nossas paixões mais antigas. Como disse André em seu artigo, ouvir Dawson é reconhecer uma força muito grande. O ritmo muscular sob o qual se desenvolve sua música nos faz pensar em cânticos de trabalhadores braçais, ou em hinos bárbaros de soldados que se preparam para a guerra. É isso, existe uma energia primordial que pulsa por aqui.

Sendo inspirado em povos pagãos europeus, a música de Peasant oferece uma mistura improvável de elementos. Há, é claro, uma herança da música Folk e seu modo lamurioso de cantar as dores da alma, uma influência rarefeita do Metal, que aqui é evocado mais pelas imagens bárbaras do que pelo peso das guitarras distorcidas, e algo também do canto gutural da Mongólia (ouça a hipnótica faixa Hob). É difícil descrever, pois a música de Dawson parece aglutinar elementos, empilhados como tocos de madeira, rígidos, ásperos, cheios de farpa, escondendo insetos peçonhentos e que mofam com o peso úmido do musgo.

Impossível não pensar também em gente como Luis Alberto Spinetta, Chad VanGaalen, (Sandy) Alex G ou Oliver Wilde já que Peasant exibe uma força rústica incontrolada, como se o turbilhão criativo estivesse capturado pela sorte do momento. No entanto, as timbragens toscas de Dawson, seu violão desafinado e seu contrabaixo com a corda tão solta que trasteja raspando na madeira, apenas servem para contrabalancear suas melodias cativantes e seus refrãos de arrepiar os pêlos do braço.

Karen O, para a trilha sonora do filme Onde Vivem os Monstros (vale atentar para o título original do filme, Where The Wild Things Are), conseguiu captar a agressividade latente das crianças em formato musical: uma rebeldia inata que resiste pura nos infantes transformada em um ritual de comunhão em volta da fogueira. Assim também é com Peasant, que, embora não fale da infância, fala também da origem ancestral das forças incontroláveis que nos movem. Um dos grande lançamentos do ano.

(Peasant em uma música: Ogre)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte