Resenhas

River Tiber – Indigo

Produtor canadense estreia em carreira solo com disco moderníssimo

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Ano: 2016
Selo: River Tiber Inc
# Faixas: 11
Estilos: Neo Soul, Eletrônico, Aternative Hip Hop
Duração: 39:21
Nota: 4.0
Produção: Tommy Paxton-Beesley

O rio Tibre corta Roma, a Cidade Eterna. No caso desta resenha, o nome é associado ao talentoso multinstrumentista e produtor Tommy Paxton-Beesley, nativo e residente na cidade canadense de Toronto. Tommy é uma espécie de camisa 10 de um escrete de músicos e coisadores musicais-culturais de lá, que vem se apropriando de referências da música negra dos anos 1970/80, especialmente o Hip Hop e o Jazz-Funk Psicodélico e reempacotando tudo o que vê e ouve, de preferência com muita Eletrônica moderníssima, produzindo tudo em álbuns colaborativos ou em coletivos, nos quais todo mundo – galeras de dez, 20 músicos – fazem de tudo, dominando vários instrumentos, pilotando estúdios, batendo escanteio para cabecear pro gol. É uma gente totalmente conectada em tudo e todos, fazendo um som que, finalmente, tem a cara de 2016. Sim, porque cansa ouvir gente fazendo referência explícita ao que já foi feito, com pouca – ou nenhuma – personalidade. Indigo, o primeiro disco de Tommy com o nome River Tiber, é um mergulho neste universo e obtém resultados bem legais.

Indigo é o mais elaborado trabalho de Tommy até agora. Sua identidade sonora evoluiu, passando de um colaborador para um protagonista, assinando timbres e texturas musicais. A ideia conceitual do disco não é muito distinta do que estamos acostumados, abrangendo as reflexões de um sujeito de 20 e poucos anos na cidade grande. Suas impressões, suas convicções e o modo como lida com a coletividade e a urbanidade são o combustível para as letras e arranjos, refletindo uma música que já nasce fluida, mas não consegue – e nem quer – ser alegre ou solar. São canções que ecoam, que deixam falsas pistas em suas arquiteturas rítmicas, confundindo intencionalmente o ouvinte. E tudo isso é legal, original e tem o mérito de soar original, algo sempre louvável e cada vez mais raro. Ao contrário das colaborações com gente legal como Drake, BADBADNOTGOOD e da participação no álbum coletivo Ghostface Killah, Indigo tem cara própria e jeito de disco 100% autoral.

As doze canções compõem pouco menos de 40 minutos de duração, jamais chegando a ultrapassar os limites do bom senso. As duas vinhetas, Genesis e Green In Blue, não chegam a soar fora de contexto. A primeira abre o disco, com um timbre orquestral, solene e dramático ao mesmo tempo, também capaz de carregar um pouco de caos e tristeza simultaneamente. A partir daí, River Tiber nos recebe em seus porões cheios de gente jovem reunida, disposta a conhecer novos-velhos sons. No Talk, que vem logo depois, foi sampleada pelo malandrão Drake em If You’re Reading This It’s Too Late, dando a Tommy uma exposição extra. A canção é linear, mas sempre com uma batida que pode soar fora de lugar, causando um clima de sutileza/estranheza que não faz o ouvinte descansar ou se acomodar com a sensação de que já percebeu para onde a música vai. Aliás, este é outro mérito de River Tiber, o de saber jogar com o ouvinte e criar nele expectativa pelo acabamento sonoro de suas canções.

Apesar do álbum soar contemporâneo e moderníssimo, há momentos em que o cânon da música negra atemporal fala mais alto. Em West, canção quase solar, situada no meio do disco, há o desejo de Tommy e seus convidados, no caso, o rapper Frank Dukes e Daniel Caesar, de largarem os arranha-céus da cidade canadense, colocar o mínimo possível de bagagem no porta-malas e partir rumo à Costa Oeste americana, mais precisamente para a boa e velha Califórnia, em busca do sol e das visões idílicas. O instrumental é o mais próximo de uma slow jam radiofônica, com belo trabalho de vocais e sintetizadores que quase emulam timbres de céu azul sem previsão de chuvas por um bom tempo. Motives, que vem logo depois, também tem destaque pela mobilidade da percussão e pela levada invocada, cheia de possibilidades. I’m A Stone também faz bonito com timbres gordos de teclado e a melhor performance vocal de Tommy em todo o álbum. O encerramento chega com Flood, em câmera lenta, com vocais de apoio dobrados, teclados, guitarras, tudo mixado sem que seja possível perceber inícios e fins, numa saudável e intencional confusão de arquitetura musical.

No fim das contas, fica a certeza de que Indigo é o início de uma carreira que pode render muitos frutos. Mesmo que saibamos de antemão que Tommy seguirá colaborando com seus companheiros de vizinhança e contribuindo para a estruturação deste “Toronto Sound”, ficamos na torcida sincera pela longa vida deste alter-ego chamado River Tiber. Que ele volte logo com novos e intrincados testemunhos sonoros.

(Indigo em uma faixa: West)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.