Em certa entrevista, o fotógrafo britânico Martin Parr disse: “Tudo o que eu faço é leve, mas também é sério”. Ele ficou conhecido – e influenciou meio mundo – algumas décadas atrás com seu estilo de alta saturação e luz muito direta, o que confere certa artificialidade em nossa leitura das imagens. Entre seus temas de trabalho, se destacam os retratos de um mundo alterado pelo consumismo, como se o capitalismo fosse também uma estética em cores e formas publicitárias na expressão da promessa dos produtos que podem saciar o desejo do consumidor.
Louder, Please é, já a partir de seu nome, um indicativo dessa insuficiência. Ao longo de 12 faixas, Rose Gray comunica o hedonismo e essa busca por sabe-se lá o quê em festas, bares e pistas de dança. Paixões, drogas, a vontade de sentir-se livre, o medo de não conseguir escapar por completo dos terrores mais íntimos – tudo se transforma em um pop delicioso e ultra dançante.
Não à toa, a fotografia assinada por Yana Vannuffel na capa do disco contrapõe o grito aos corpos que se revelam na companhia do figurino com o aspecto artificializado das imagens de Parr. O céu é poluído, há lixo na areia da praia e o beijo projeta uma grande sombra: são vestígios no mundo físico e no universo psicanalítico do modo de vida em que fomos inseridos, regido pela urgência de uma satisfação nunca alcançada. O grito de Rose na capa do álbum não está sozinho. Ele vem acompanhado do objeto com a cor mais diferente da paleta proposta. Do walkman amarelo, vem a música que expressa essa condição, enquanto tenta aliviá-la.
A audição de Louder, Please nos convida a entrar em um ambiente muito divertido, com cores e luzes muito próprias, no maior estilo “girls just wanna have fun”. Com os dois pés na pista de dança, a cantora mantém seus olhos ao que nos leva até lá e canta sobre as relações exageradas, como amores de uma vida inteira que duram uma só noite. É a sensação transformadora de encontrar alguém especial em meio à multidão (“Party People”) e a intensidade que uma dinâmica dessas pode ter (“Tectonic”).
Essas duas faixas exploram o aspecto mais doce que pop eletrônico pode ter, também pela interpretação açucarada, quase infantilizada de Rose. Ao longo do álbum, vários outros climas são explorados em flertes descarados com diferentes vertentes da música eletrônica, do house ao drum ’n’ bass. Ao ser escutado na ordem proposta, o disco apresenta variações quase bruscas de uma música para outra. Meio gangorra, meio pêndulo, morde e assopra – um jogo de sedução no qual uma faixa te leva para um lado e a próxima te chama para a dança em outra vibe.
“Damn” abre a obra com toda a força, quase se recusando a ser pop. Na sequência, “Free” faz o movimento contrário e promove um hino meio good vibes, meio quimicamente alterado para brincar com a máxima tilelê que diz que o melhor da vida é de graça. “Wet & Wild”, logo depois, não pede licença e joga o BPM lá para cima, para depois promover um largo sorriso no sample da icônica “Blue (Da Ba Dee)”, de um 1999 já muito distante, que dá base ao refrão de “Just Two”.
“Hino” define também “Angel of Satisfaction”, um dos hits do disco. Junto a “Switch”, ele colocou Rose Gray na mesma linhagem do pop de cantoras/compositoras que trabalham fincadas no eletrônico com uma grande proposta conceitual, como Robyn, Caroline Polachek e Charli XCX. Nesse sentido, Louder, Please é o brat da vez, salvas as proporções midiáticas. São vozes potentes na música de cunho hedonista, mas que não devem nada em sensibilidade.
O spoken word de “Hackney Wick” e a faixa-título instrumental que encerra a obra são os momentos introspectivos que nos relembram que trata-se de um álbum que tem mais a dizer do que a festa que proporciona – ou melhor, que o fazer dançar quase compulsivamente é parte de uma mensagem construída muito bem na maneira como o repertório se apresenta.
Quem quer apenas se divertir encontrará um som excelente. Os que piram em referências estéticas têm um prato cheio. Para aqueles que se interessam por como os sintomas da sociedade se apresentam pela arte, Louder, Please é um ótimo começo de conversa. É bastante leve, mas também é um pouco sério.
(Louder, Please em uma faixa: “Free”)