Resenhas

Ryley Walker – Golden Sings That Have Been Sung

Cantor e compositor norte-americano volta com mais um disco arrebatador

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Ano: 2016
Selo: Dead Oceans
# Faixas: 8
Estilos: Folk, Chamber Folk, Jazz Folk
Duração: 40:42
Nota: 4.5
Produção: Leroy Bach

Ryley Walker fez novamente. Por uma coincidência de pautas e caminhos misteriosos, cá estou eu resenhando mais um álbum deste jovem cantor e compositor nativo de Chicago. Ele continua a confundir a geografia emocional do Folk, tocando e pensando suas composições como se fosse um inglês de 1971 em vez de um americano de, digamos, 1974. Sim, suas músicas são tão velhas quanto o tempo, mas não são nem um pouco antigas. É como se elas fizessem parte da nossa própria humanidade e isso, jovens, nunca sai de moda, certo? É tudo bonito, tudo bem tocado e agora, neste novo trabalho, produzido com um inédito pé no futuro, ainda que seja do pretérito, com alguma sonoridade que remete bastante aos anos 1990. Talvez seja cortesia de Leroy Bach, produtor conterrâneo de Ryley, que já colaborou com gente da cidade, como Wilco e The Sea And Cake, por exemplo. Mas tudo isso é detalhe, o que importa é o talento de Walker e este Golden Sings That Have Been Sung é um compêndio de belas canções.

O referencial de Ryley segue com cantores ingleses como Nick Drake e John Martyn, mas há um flerte fortíssimo com uma abordagem jazzística típica do Folk, algo que Joni Mitchell fez muito bem no início dos anos 1970 e que um certo Terry Callier (procurem sua obra, vale a pena), devidamente resgatado por Massive Attack nos anos 1990, levou a carreira inteira para erguer: um Folk ampliado, para espaços abertos, num plano público, pervertendo sutilmente o elemento maior desta música popular: o isolamento da performance individual, acompanhada apenas pelo som do violão e da voz. É diferente, simplesmente, de misturar o estilo com guitarras altas e criar o Folk Rock. É mais sutil, complexo e, na maioria das vezes, muito mais profundo. O que Walker vem oferecendo em sua carreira, que já dura três discos, é uma releitura desta ampliação do Folk. É música intensa, confessional e forte.

Ao longo das oito faixas não há exatamente Pop. Não há preocupação com refrãos fáceis ou instrumental linear. Em toda parte há momentos de intervenção de guitarras, teclados ou bateria, que interrompem o curso lógico das melodias e promovem pequenos momentos de explosão. Tudo está previsto na concepção de Ryley, nada sai do tom ou se torna experimental demais. O instrumental dá a ideia de que estamos numa cidade sob a chuva do outono e a voz surge como de alguém que tem a verdade sob seu domínio e que conhece alguns mistérios do universo, mas que não faz muita questão de que os outros acreditem no que é dito, deixando para o ouvinte uma espécie de julgamento. Não há como destacar uma ou outra canção em especial, com todas formando um painel de beleza. O single The Roundabout tem certo tom apocalíptico sob sua aparente doçura de violões e teclados que compõem o arcabouço melódico principal. A voz de Ryley soa como a de um aspirante a profeta do inapelável ou do imponderável, depende de você. Em algum ponto do caminho, guitarras vêm se juntar ao todo.

Essa alternância de beleza plácida com tempestades no horizonte é uma constante por aqui. Uma aparente preguiça campestre que se insinua logo na faixa de abertura, a linda The Hafwit In Me, dá lugar a este clima de atemporalidade. A Choir Apart já vai por outro caminho, com pouca questão de invocar alguma tradição folkster de violão/voz, usando percussão, bateria criativa, guitarra sutilíssima para dar serenidade à voz de Ryley, que tangencia o desespero. Funny Thing She Said evoca solenidade de pianos que se mesclam a guitarras e à desolação do canto de Walker, abrindo caminho para a bela Sullen Mind, que administra pequenas tempestades guitarrísticas e climáticas em sua harmonia, contrastando com a agridoce I Will Ask You Twice, sobre alguém que pede outro alguém em casamento e não abre mão de pedir quantas vezes for preciso. As duas últimas faixas são densas e cheias de detalhes. The Great And The Undecided é um conto de amizade e de impossibilidade diante dos fatos da vida, usando uma densa camada de pianos, violões e outros instrumentos de cordas, além de uma belíssima bateria para dar foco ao todo. Os pouco mais de oito minutos de Age Old Tale tem início climático e tons soturnos, além de um andamento lento e contemplativo.

A carreira de Ryley Walker segue com duas características: evolução constante dentro de sua proposta estética e fidelidade total a um padrão de composições que ele vem sustentando com intervalo curtíssimo entre os lançamentos dos álbuns, mantendo uma média de um disco ao ano, desde 2014, sempre com relevância. O sujeito não parece capaz de compor e gravar algo ruim e dará um show em São Paulo em breve, ao qual você não deve faltar. Mais um para a disputada lista de melhores deste ano. (Golden Sings That Have Been Sung em uma música: A Choir Apart)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.