Resenhas

Saint Etienne: Home Counties

Trio inglês lança álbum em que revisita suas origens e enfatiza suas mudanças

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Ano: 2017
Selo: Casablanca
# Faixas: 19
Estilos: Pop Alternativo, Europop, Eletrônico
Duração: 56:10
Nota: 4.5
Produção: Bob Stanley e Pete Wiggs

Que mundo sensacional nós teríamos se bandas como Saint Etienne, Stereolab e Everything But The Girl fossem protagonistas nos anos 1990, não? Claro que estas e outras formações sensacionais tiveram e têm seu público cativo e relativamente grande, mas a história – até agora – quis para elas um papel coadjuvante naquela década. Perdem aqueles que não conhecem suas impressionantes obras. No caso do trio formado por Sarah Cracknell, Bob Stanley e Pete Wiggs, o dano é ainda maior, pois, pelo menos, fora da Inglaterra, sua obra é a menos conhecida e apreciada. A ideia deles sempre foi misturar o Pop perfeito dos anos 1960 (mais ou menos na mesma pegada de The Smiths) com a música eletrônica dançante do fim dos anos 1980, com os devidos toques de genialidade própria. Recomendar a obra pregressa deles é redundante, mas, desde já recomendo a audição de tudo o que fizeram, especialmente Foxbase Alpha (1992), So Tough (1993) e Sound Of Water (2000). Fazendo jus a uma trajetória brilhante, este novíssimo Home Counties chega com pinta de campeão a este interessante 2017.

Qual a ideia central? Revisitar as origens. Sim, é um movimento manjado, mas, quando se trata de pequenos gênios da música Pop, nunca é demais. Sendo assim, inspirados por revisitas semelhantes, empreendidas por The Kinks e Blur no passado, Saint Etienne resolve voltar aos tais “home counties” do título, a periferia ao sul de Londres, cheia de condados bonitinhos, que tornaram-se delicadamente decadentes ao longo do tempo entre aquele estranho e eufórico fim de anos 1980 e hoje. O que antes era sinônimo de portas abertas para jovens – como o trio – sair de seu rincão natal e conhecer uma Europa recém-aberta diante de todos, tornou-se um reduto de eleitores simpatizantes de Thereza May e do BrExit. Gente emburrecida pela mídia, repetidora de notícias de veracidade duvidosa, mas que acredita que o isolamento trará melhorias nos empregos, que minorias são más, preguiçosas e que o neoliberalismo nada tem a ver com isso, que é tudo porque essa gente não quer trabalhar. Como podemos ver, é um fenômeno que pode acontecer lá, como em outras partes do mundo, certo?

Com um olhar doce e delicado sobre os lugares que tanto conhecem, Sarah, Pete e Bob oferecem um painel belíssimo de 19 canções, entre elas algumas vinhetas com trechos de programas de rádio com as paradas de sucesso ou o noticiário esportivo, dando uma noção precisa de coletividade e população prestando atenção ao que dizem. A música segue próxima da perfeição em vários momentos, especialmente quando consegue equilibrar as influências majoritárias de seu som, no caso, o Pop dourado e a eletrônica. O caso mais evidente é a apaixonante Whyteleafe, com título em homenagem a uma dessas cidadezinhas e amor por cada segundo de sua melodia. A letra fala justamente dessa ingenuidade que temos quando somos jovens, pensando que nossa cidade é “a Paris dos anos 60, a Berlim dos anos 70 ou a Estocolmo dos anos 90”, como diz a letra. Detalhe impressionante: a década de 1980, na qual a Inglaterra foi governada por Margaret Thatcher é omitida, provavelmente por não haver qualquer ingenuidade capaz de maquiar o estrago que a Dama de Ferro causou nas populações desses lugares.

O olhar gentil também surge em várias outras canções: Trains Divers In Eyeliner, com flautas, pianos e vocais vaporosos, tem classicismo por todos os cantos; Heather é belezura pop de todas as épocas, com samplers bem colocados de vocais de apoio e batida eletrônica na medida certa, chegando a lembrar algum hit perdido de bandas como Bananarama; What Kind Of World tem cordas e drama na medida certa, permeando uma levada eletrofunk inesperada, erguida com classe e propriedade; Dive tem batidas dançantes e uma latinidade que vem sem avisar no meio do arranjo, e a beleza impressionante que é Sweet Arcadia, canção meditativa que vai sendo construída à medida que os nomes das cidades e distritos na linha do trem são mencionados por Sarah na letra. Ruídos da vizinhança e uma tristeza percussiva são introduzidos na melodia belíssima, tudo casando à medida que avançamos pelos quase oito minutos de duração.

Você não precisa ter conhecimentos aprofundado da geografia emocional do Reino Unido para notar a melancolia alegre que permeia o álbum. É momento de reencontro e percepção que somos vários em um só. Talvez este seja um pequeno mistério genérico diante da lindeza individual que é retornar para algo e notar o quanto aquele lugar mudou/não mudou, enquanto fazemos a mesma constatação sobre nós mesmos. É um ato de amor encapsular todas essas emoções em pouco menos de uma hora de música e, ainda assim, contaminar gente que nunca visitou os lugares mencionados. Bravo, Saint Etienne.

(Home Counties em uma música: Whyteleaf)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.