“We all know black is beautiful” é uma frase que propositalmente salta aos ouvidos durante a audição de UNTITLED (Black Is). Primeiro porque ela vem sem a companhia de qualquer outro elemento – e o silêncio sempre fala alto quando cercado por música –, mas também porque “Black Is” é a faixa-título de um disco que se apresenta sem nome (um misto interessante de poesia e ironia). “We all know black is beautiful”, e a estrofe continua: “Well, now you do”.
O grupo/coletivo britânico Sault lançou o álbum subitamente em 19 de junho de 2020, pouco mais de três semanas após o assassinato vídeo-documentado de George Floyd, estopim para o movimento antirracista Black Lives Matter ganhar nova tração. Portanto, os comentários feitos durante as 20 faixas vêm como trilha sonora dos protestos, ecoando o que se fazia conhecido (mais uma vez) ali: há imensuráveis valores nas vozes, experiências e – sim – vidas negras, assim como na música da diáspora africana nas Américas e na Europa.
Essa consciência parece mover o disco, trazendo elementos essenciais de Funk, Soul e R&B para a construção do repertório. As faixas são, em sua maioria, despidas de muitas camadas, e, por meio de timbres, beats e samples cirúrgicos, dão pistas da musicalidade que Sault resgata – os sons secos de “Hard Life” exemplificam isso bem. Há influência da herança do Hip Hop e ecos de música caribenha aqui e ali, além de um resgate mais explícito (inclusive na letra) da ancestralidade africana na excelente “Bow” (com Michael Kiwanuka). Tudo embalado por experimentalismos espertos e belíssimas melodias.
Vamos, assim, sendo lembrados, mais uma vez, do quanto aquilo que mais gostamos na música popular é, senão produzido por pessoas pretas, fruto de estéticas criadas e desenvolvidas por um povo que já foi escravizado e ainda hoje é perseguido. O clima pesado na justaposição das duas primeiras faixas (“Out the Lies”, com cânticos revolucionários, e “Stop Dem”, de gritos que pedem por socorro) dita de imediato a audição da obra em um campo emocionalmente tenso. Ao longo da quase uma hora de duração, apesar das sirenes de “Don’t Shoot Guns Down”, a experiência se dá mais pela melancolia do que pela apreensão.
E pode ser assim que esta época seja lembrada no futuro: pela angústia que permeia a revolta e, às vezes, a sobrepõe. Mesmo com o tom esperançoso que fecha UNTITLED (“Pray Up Stay Up”), são os momentos mais pesados, na dor e/ou no som, que marcam o repertório. E, por falar no título que nega sua existência, é interessante notar como Sault colocou o “Black Is”, o “negro” ao lado do verbo “ser”, entre parênteses no nome. É um confinamento, uma prisão e um comentário sobre a experiência de ser preto em sociedades racistas. Discussões levantadas recentemente (novamente) pelos movimentos e, como não poderia deixar de ser, tema integral desta obra.
(Black Is em uma faixa: “Black”)