Resenhas

Shugo Tokumaru – Toss

Multiinstrumentista japonês subverte Pop em álbum sensacional

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Ano: 2017
Selo: Polyvinyl Records
# Faixas: 11
Estilos: Pop Alternativo, Pop Experimental, Lo-Fi
Duração: 42:48
Nota: 4.5
Produção: Shugo Tokumaru

Se estivéssemos escrevendo para algum programa do, vejamos, Discovery Channel, poderiamos dizer que “a cultura japonesa se sustenta em dois pilares: a tradição e a modernidade tecnológica”. Seria chato e clichê, mas também seria inegavelmente verdadeiro. Como – ainda bem – estamos num veículo mais informal, podemos colocar a humilde teoria deste que vos escreve: o Japão é uma colônia alienígena na Terra e isso é ótimo. Tudo lá é bastante diferente e requer um exercício enorme de distanciamento/imersão para que possamos entender exatamente o que querem dizer pessoas e manifestações culturais. Vejamos, por exemplo, este ótimo Toss, novíssimo trabalho do produtor e multihomem nipônico Shugo Tokumaru. Ele é da escola Brian Wilson de música Pop, se inserindo na prateleira dos criativos/enlouquecidos, mais precisamente naqueles que se assumem como artistas Lo-Fi. E, claro, como bom japa, distorce todos esses conceitos e se apropria gerando algo muito diferente e novo.

Em primeiro lugar, Shugo criou uma coisa totalmente nova: o Lo-Fi colaborativo, ou seja, o contrário daqueles artistas que gravam e pensam sua música no quarto onde vivem/dormem, dando aquele clima de informalidade e largação sonora que faz a delícia de muita gente. Neste novo álbum, ele abandona o conceito, no formato – recebendo participações até de orquestra – mas pensa sua música como se estivesse fazendo tudo sozinho, conferindo um frescor impressionante ao que produz. Tudo tem jeito de música de brinquedo, feita por algum maluco que pegou um microfone e foi configurando não só instrumentos musicais feitos para os pequenos, mas que foi colocando seus ouvidos com a curiosidade infantil de perceber sons e detalhes. Não é novidade se voltarmos ao maravilhoso álbum que ele gravou em 2010, Port Entropy, no qual assume-se como uma pecurrucha criatura de olhos puxados, celebrando a felicidade e o sol após a permanência demasiada do inverno. Vale ouvir, é uma lindeza total.

Aqui, assim como no disco anterior, In Focus?, Shogu vem “adultizando” seu trabalho e incorporando uma inventividade inversamente proporcional ao amadurecimento, ou seja, ele está ficando ainda mais doido à medida que chega aos 40 anos de idade e isso é revigorante, especialmente para alguns críticos musicais que têm, vejamos, 46 anos. A maioria das canções seguem um rótulo que ele mesmo chama de Bricolage Music, ou seja, uma forma de Pop feita com elementos pipocados, estilhaçados, mas fofos, em forma de bolinhas coloridas e influenciados por uma cultura pop que tem origem em desenhos animados, mitos nipo-americanos e uma beleza de cerejeiras em flor. Shugo, como boa criança grande, não sabe medir direito suas criações, ficando algumas excessivamente experimentais e dificultando um pouco a tarefa do ouvinte mais compreensivo. Mas, meus caros e caras, quando ele acerta mão, é bola de três/gol de placa/hadouken.

No terreno do experimentalismo total, surge Taxi, que é poderia ser uma trilha sonora de desenho animado enlouquecido, talvez na onda de coisas como Titio Avô, desde sempre uma das criações mais loucas da história da humanidade e não menos genial. A canção é boa, mas tem tanta informação que mereceria uma resenha à parte. Lita-Ruta é delicada, tem percussão bonita e andamento Rock, uma célula mutante na lente do microscópio. Cheesy Eye é, de fato e de direito, uma canção que poderia ser gravada por Brian Wilson em sua fase Smile, o que é um elogio supremo, dada a capacidade de Shugo em juntar os signos culturais do desenho animado e da música pop com maestria em pouco mais de três minutos. Deixando a experimentação e investindo apenas na beleza da melodia, surge uma delicada e belíssima canção, Route, levada ao piano, com um acento agridoce impressionante, capaz de equiparar-se com o melhor da produção setentista de uma banda como Carpenters, por exemplo. Hikageno é outra belezura exuberante, com ritmo sessentista, instrumental respeitando as estruturas melódicas e vocais doces na medida certa, a ponto de soar como uma balada de bandas como Fountains Of Wayne, com direito a solinho invocado de guitarra, na melhor tradição Powerpop. Ainda merecem destaque Dody, Hollow e Vektor, que conseguem se equilibrar entre os dois parâmetros e a sintomática faixa de encerramento, a psicodélica Bricolage Music, cujo título já diz tudo sobre ela.

Toss é um caleidoscópio musical muito bem pensado. É mais uma declaração de intenções sobre o que deveria ser a música pop, algo mais instigante, mais autorrereferente e, mais que tudo, divertido. Não deve ter idade, permanecendo sempre jovem. Com este álbum, Shugo Tokumaku oferece ao ouvinte um Biotônico Fontoura de juventude e alegria. Para ouvir com fones de ouvido e sair rindo de tudo e todos como forma de revolução. Um dos álbuns do ano, fácil.

(Toss em uma música: Route)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.