Em primeiro lugar, é bom que se diga: Hot Thoughts, oitavo álbum do grupo texano Spoon, é um discaço. Corra, ouça, coloque várias de suas canções em sua lista de melhores de 2017, avise aos amigos, apresente pro pessoal do colégio, da faculdade, enfim, espalhe e dê ao conjunto a fama e fortuna que merece. Não é exagero e nem é deslumbre, apenas é a sensação que as dez faixas desse lançamento despertam em quem – no caso, eu – nota uma desvirtuação constante do termo “Pop” ao longo do tempo. A partir dos anos 1990, uma vertente derivada do Hip Hop, devidamente fundido com Eletrônica de gosto duvidoso, ganhou o protagonismo no terreno das canções feitas para as massas, passando por sobre o modelo anterior, o do Pop Rock anglo-americano, de uma origem que remontava a The Beatles e os grandes mestres iniciais do estilo. Nada contra o Pop, temos a necessidade de melodias massivas para o povo cantarolar e dançar em diferentes momentos do dia, mas nada errado em exigir mais um pouquinho disso, certo?
Engraçado que Spoon é uma banda de origem eminentemente alternativa, gestada nos mesmos anos 1990, porém com um diferencial importante: enquanto seus contemporâneos investigavam o Punk e o Metal, os sujeitos voltavam sua atenção para gente como Elvis Costello e gente esquisita que não se encaixa em rótulos muito facilmente, talvez Tom Petty e os ingleses XTC. A partir disso, misturaram essa aura independente, tão em voga na época, com nerdismo e pretensões de tocar para mais gente, fazer a tal transposição do cenário underground para um espectro maior de fãs. Fizeram ao longo dos anos 2000, sempre com discos sensacionais e nunca cederam a pressões estéticas. Paradoxalmente, mantiveram seu som moderno, misturando detalhes e nuances aqui e ali, promovendo uma sensação interessante de distinção entre discos mas com a certeza de ser sempre a mesma banda. Veja, isso parece banal mas é bem raro.
Com estas noções, é fácil notar o quanto soa natural e delicioso um disco Pop latu sensu de Spoon a esta altura do campeonato. É exatamente esta a maior característica que Hot Toughts ostenta, a de ser incorruptível, autêntico e popíssimo ao mesmo tempo. Cheio de ganchos melódicos, arranjos diretos e retos, detalhes instrumentais por todos os cantos, ou seja, um disco de discretos mestres da canção de três minutos e pouco, esta fórmula mágica que é uma das maiores conquistas da humanidade desde que saiu das cavernas. Lembra bandas obscuras dos anos 1980, como The Cars ou o já citado Costello, mas com um twist próprio, um desejo estranho de fazer música dançante meio torta, quase irresistível. A produção de David Fridmann, novamente à frente de um disco do grupo, dá um foco impressionante aos objetivos de Spoon, limando qualquer detalhe que seja desnecessário.
A partir de uma análise isenta e séria, não há música ruim no disco. Podemos classificá-las em duas categorias: “sensacionais” e “muito boas”. A faixa-título, logo no início do álbum, dá o tom do que vamos encontrar: Rock direto, com exuberância instrumental (artigo raro no mercado), com linhas de baixo aveludadas, bateria virtuosa, guitarras espalhadas, teclados harmoniosos e bons vocais. Tudo está em seus lugares. Logo em seguida, WhisperI’lllistentohearit, mostra batida Pós-Punk, trabalho impressionante de baixo e teclado e uma vocação certa para hit pulante ao vivo. A melhor faixa do álbum vem logo em seguida, a deliciosa Do I Have to Talk You Into It, com nuances que emulam Beatles e Funk torto de branco, numa combinação improvável e muito feliz. Tudo funciona. Outras belezuras também surgem, caso de Pink Up, com arcabouço climático, cheio de eletrônica light e vocais sem direção, mostrando que o Pop pode ser estranho. Logo depois, Can I Sit Nex To You mistura mais Funk e popices na medida certa e I Ain’t The One, meio lenta, meio qualquer coisa, com melodia digna da aula de Melodias Pop Perfeitas I.
Spoon é banda talentosa e virtuosa, domina os ensinamentos dos mestres e soa moderna, urgente, afiada. Seu novo disco vai direto para a galeria dos melhores de sua carreira e do ano. Sem meias-palavras por aqui, certo?
(Hot Toughts em uma música: Do I Have to Talk You Into It)