Em Cowards, terceiro álbum do Squid, o grupo nos conduz por uma sombria narrativa, transformando suas nove faixas em um labirinto repleto de monstros literais e figurativos, delírios canibais e caos político. Inspirados por livros como Tender is the Flesh, de Agustina Bazterrica, e na experiência do quinteto inglês durante turnês pelo mundo, o repertório constrói um pesadelo sonoro que atravessa paisagens urbanas decadentes e personalidades corrompidas. Cada faixa se desenrola como o fragmento de uma realidade perturbadora, na qual a maldade humana não apenas é real, mas se manifesta de formas absurdas e inescapáveis. O resultado é um disco que, mais do que narrar esses horrores, nos faz experimentá-los através de camadas instrumentais sufocantes e letras verborrágicas.
A banda nunca se acomodou em uma zona de conforto e sua evolução ao longo dos anos reflete essa inquietação. Em Bright Green Field (2021), o grupo retrata a Londres pós-Brexit como uma distopia, enquanto O Monolith (2023) mergulha no folclore do interior inglês como uma tentativa de ressignificar o presente. Com Cowards, a banda direciona seu foco para o indivíduo, adicionando reflexões pessoais sombrias aos comentários sociais. Essa mudança se reflete também na forma como as canções são estruturadas: enquanto os álbuns anteriores apostam em longos crescendos e momentos explosivos, aqui o grupo parece mais focado, condensando suas ideias em faixas mais diretas ao ponto (para o padrão do Squid, é claro), ainda que a instrumentação se expanda para lugares novos.
Musicalmente, o disco preserva a complexidade labiríntica do grupo, mas a embala de forma “menos estranha” e com um olhar minucioso para os detalhes. “Crispy Skin” abre o disco com sintetizadores cintilantes antes de desaguar em uma linha de baixo pulsante e baterias inquietas, enquanto “Cro-Magnon Man” é um dos momentos mais explosivos da obra, repleto de ganchos e instrumentais imprevisíveis. Já a dobradinha “Fieldworks I & II” mergulha em arranjos minimalistas de cordas e metais, evocando uma atmosfera ao mesmo tempo etérea e ameaçadora. “Blood on the Boulders” cresce a partir de ruído e tensão, refletindo em sua sonoridade a paranoia e frustração com a morte do Sonho Americano. Ao longo do álbum, Squid transforma o caos instrumental em narrativas sonoras densas, em que cada elemento — seja uma entrada inesperada de metais, cordas esparsas ou sintetizadores sufocantes — parece ter um papel essencial na construção desse universo distorcido.
Com Cowards, o Squid reafirma sua identidade experimental e consolida sua transição do pós-punk/krautrock inicial para um território mais vasto e imprevisível dentro do art rock. Se nos primeiros trabalhos havia a cidade e suas estruturas opressivas, agora a banda parece imersa em um pesadelo mais abstrato e existencial, em que o horror não está apenas na paisagem, mas na própria condição humana.
(Cowards em uma faixa: “Cro-Magnon Man”)