Resenhas

Sufjan Stevens – A Sun Came

Disco de estreia revela um artista em ebulição e dá pistas de alguns princípios fundamentais de sua composição

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Ano: 1999
Selo: Asthmatic Kitty
# Faixas: 19
Estilos: Indie, Folk, Experimental
Duração: 78'
Produção: Daniel Smith

Quando se olha retrospectivamente para a “obra” de um artista, cria-se uma imagem homogênea de seu trabalho. Visualiza-se uma pessoa estática e coerente, cuja personalidade corresponderia àquilo que entendemos superficialmente sobre sua música. É fácil esquecer, nesse sentido, que pessoas são complexas, idiossincráticas e mudam com o passar dos anos.

A Sun Came é o álbum de estreia de Sufjan Stevens, lançado originalmente em 1999, quando o artista tinha 24 anos de idade. Ele revela um músico em ebulição e dá pistas de alguns princípios fundamentais de suas composições. É possível ouvir esse debute e não reconhecer o artista renomado que ele se tornou, mas, ao mesmo tempo, conseguir entender de onde ele veio: o que foi abandonado em suas produções e o que se refinou com o passar do tempo.

Apesar de ter sido elaborado com um simples gravador de quatro canais, o disco é bastante heterogêneo. A Sun Came mostra um artista descobrindo o que realmente lhe interessa em sua voz. A característica mais interessante tem a ver com a ideia Folk que nasce por aqui: resgatando a Música Popular vinda de todos os cantos do mundo – das melodias árabes às gaitas de fole da Irlanda –, citações da música tradicional de diferentes povos apontam para uma condição fundamental daquilo que nos une enquanto humanidade.

Músicas mais delicadas de voz e violão compartilham espaço com outras incursões mais fora da curva. Elementos eletrônicos e experimentais são a gênese de algo ainda por se desenvolver.

Já “Siamese Twins”, “Belly Button” e “Satan’s Saxophones” são interlúdios nos quais uma voz distorcida narra algum episódio bizarro relacionado à infância. Essa mistura do infantil com o grotesco revela o olhar complexo de Sufjan em relação à sua infância.

A Sun Came conecta a estreia de Sufjan Stevens com os anos 1990 por meio do Grunge, tergiversando às vezes por um terreno obscuro. Músicas tocadas com precaução mostram um músico em começo de carreira, disposto a dedilhar catorze instrumentos diferentes por si só. Em outros momentos, a vontade de fazer acontecer aponta para sabores mais azedos, exibindo melodias atonais e texturas cacofônicas. Tudo isso chama a atenção e é o que imprime a personalidade forte que este trabalho possui.

Em A Sun Came, temos uma mescla de elementos, uma influência vinda do Rock Alternativo com a delicadeza do Folk. Este é o território originário da poesia de Sufjan Stevens, que desdobrou caleidoscopicamente para direções diferentes ao longo dos anos: basta ouvir trabalhos como Carrie & Lowell ou The Ascension para encontrar os mesmos princípios trabalhos com um novo nível de atenção.

Aqui, existe uma simplicidade em termos de harmonia, mas há também uma força lírica, uma profundidade no olhar e uma devoção, que apenas ganha pujança em seus discos posteriores.

(A Sun Came em uma faixa: “A Loverless Bed (without remission)”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte