Resenhas

Sufjan Stevens – Seven Swans

Exercitando uma filosofia espiritual que mescla religião e toques autobiográficos, Sufjan Stevens constrói a beleza das coisas inexplicáveis

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Ano: 2004
Selo: Asthmatic Kitty
# Faixas: 12
Estilos: Indie, Folk
Duração: 46'
Produção: Daniel Smith

Existe uma passagem do Gênesis que configura um dos episódios mais conhecidos da Bíblia: o sacrifício de Isaque. A história, em resumo, conta que que Abraão, prestes a sacrificar o próprio filho conforme ordenado por Deus, acaba sendo impedido por um anjo. Já tendo provado sua devoção, ele é absolvido de sua tarefa e oferece, ao invés, um carneiro para expiar os pecados da humanidade.

Essa história é contada na canção de Sufjan Stevens intitulada “Abraham”, e ela parece ser a parábola ideal para entender Seven Swans (2004), o quarto disco de sua discografia. Nele, trechos da Bíblia aparecem como metáforas autobiográficas, contando histórias de devoção, de amor e também de uma tortuosa relação paterna. Aqui, Sufjan Stevens parece colocar o seu entendimento do cristianismo não como um sistema de uma religião institucionalizada, mas sim como uma mitologia que desenha um mundo e o ensina a enxergá-lo.

A primeira música do álbum, “All the Trees of the Field Will Clap Their Hands”, por exemplo, tira o seu título de um versículo presente em Isaías: “porque com alegria saireis, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros romperão em cântico diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas”. Com essa introdução, Stevens mostra que a sua maneira de pensar espiritualmente é por meio da música.

Assim sendo, faz sentido que as canções mostrem poucos elementos: piano, banjo e vozes aparecem de maneira pontual, dando a entender que nos espaços vazios de Sevens Swans operam forças ocultas. Em outros momentos, em contraste, apoteoses acontecem, muitas vozes e instrumentos se sobrepõem, evocando algum tipo de experiência mística e transcendental.

Seven Swans possui detalhes autobiográficos, o que enriquece a experiência das músicas, mas não as reduz em apenas uma interpretação fechada. Existe um lado romântico, como na música “The Dress Looks nice on You”, na qual Stevens conta de um amor vivido no colegial. É um conto cotidiano, mas um no qual a poesia se sobressai como algo invisível aos olhos. Existe também um lado mais sisudo, pé no chão, como na música “In the Devil’s Territory”, em que Stevens encara a presença/ausência misteriosa do divino sobre o mundo. Em geral, o artista possui uma abordagem honesta para questões de fé, e não soa ingênua quando toca nesses assuntos tão delicados.

Em Seven Swans conhecemos um Sufjan Stevens exercitando sua filosofia espiritual da forma mais bonita, mitológica, sem ser pretensioso, profético e nem falsamente good vibes. Esse tipo de canção ficará ainda mais evidente com o passar dos anos, conforme chegam os seus álbuns seguintes. Sempre sustentando o artista em momentos de dificuldade, a música de Sufjan Stevens constrói a beleza das coisas inexplicáveis que nos acontecem na vida.

(Sevens Swans em uma faixa: “Seven Swans”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte