Resenhas

Tame Impala – Currents

Kevin Parker atualiza seu som sem perder identidade e consolida banda entre as maiores da atualidade

Loading

Ano: 2015
Selo: Modular Records
# Faixas: 15
Estilos: Rock Psicodélico, Synthpop
Duração: 51:08
Nota: 5.0
Produção: Kevin Parker

Existem ícones de um determinado estilo ou de uma geração musical que conseguem exercer grande influência no som de um certo período, possibilitando uma multiplicação gremlianiana de bandas com som semelhante. Algumas delas, após algum tempo, justamente por terem iniciado um movimento a partir de uma fórmula sem muita personalidade, perdem seu posto de relevância para os novatos que talvez não existissem sem sua ajuda. Currents, terceiro álbum de Tame Impala, distancia ainda mais a banda de suas herdeiras e mostra que sua essência vai além de uma percepção simplista de um revival da psicodelia dos anos 60.

Desde as primeiras entrevistas até os primeiros singles liberados, muito tem se falado da mudança de Kevin Parker, mente brilhante por trás de absolutamente tudo – neste álbum principalmente, em que dispensou a ajuda de Dave Fridmann e gravou, produziu, mixou e masterizou tudo -, da guitarra para os sintetizadores. No entanto, tal discussão não poderia ser mais descartável, já que a mudança foi apenas ferramental, mas as emoções que Kevin continua tentando passar são as mesmas, azar de quem passou os últimos quatro anos, desde Innerspeaker, acreditando que alguém com a criatividade e o perfeccionismo de Parker conseguiria se restringir a um resgate purista de um único estilo durante toda sua carreira.

É inegável que, naturalmente, pela nova escolha de materiais para compor sua mensagem, ela passará a ser mais aceitável para um público que há tempos não está mais acostumado a ouvir guitarra. O australiano é um fã assumido da boa música Pop – participando recentemente de um dos discos de maior sucesso da atualidade, do produtor britânico Mark Ronson – e nunca escondeu sua vontade de trazer elementos dela cada vez mais para sua música. O próprio, em uma entrevista recente, resumiu sua relação com o público que pode estranhar as mudanças dizendo saber que haverão fãs de seus trabalhos antigos que não gostarão de Currents pois já tem seus valores musicais muito bem definidos, mas completou: “Se eu conseguir convencer alguns fãs de Rock que sintetizadores oitentistas podem combinar com uma percussão anos 70 – se eu conseguir ajudá-lo a enxergar além do cubículo do Rock Psicodélico tradicional – pelo menos uma de minhas missões foi cumprida.”

Mesmo assim, tudo aqui soa muito confortável ao fã de Tame Impala. Ao invés de tentar se manter relevante criando novos padrões e trazendo ideias absolutamente novas, a banda decidiu manter-se no topo atingindo a excelência dentro de uma estrutura já existente, questionando seus próprios limites. A banda ainda consegue ter uma aura muito própria e inconfundível, bastante calcada na voz e na qualidade de Kevin Parker como compositor e produtor. Seu vocal não é maravilhoso e muito menos original, mas o fato de dominar todas as etapas desta “cadeia de produção” facilita os ajustes para que seu vocal e todos os outros elementos sejam trabalhados com ritmo levada perfeitinhos, que mantém aquele groove e sempre colaboram com o clima sonhador e hipnótico das canções.

Aqui, é possível encontrar algumas das melhores faixas da carreira do grupo. É difícil escolher se o refrão mais viciante e cantarolável é da épica Let It Happen, da belíssima Eventually, da dançante The Less I Know The Better ou de Cause I’m A Man, todas com possibilidades reais de entrarem em listas de melhores músicas de qualquer ano que tivessem sido lançadas. Kevin sabe como construir boas melodias Pop, suas introduções sempre empolgam, a preparação que faz para seus refrões viciantes criam uma expectativa altíssima para o clímax que está para vir e seus solos continuam hipnotizantes.

Uma mudança que pouco se fala sobre o disco é a temática. As composições parecem muito mais diretas ao comunicarem o término de um relacionamento de Kevin. Tudo é mais pessoal, parece mais diálogo do que monólogo, como evidenciado em um dos trechos mais marcantes do disco, onde ele parece tentar convencer a si mesmo e à pessoa amada de que será melhor assim: ”But I know that I’ll be happier and I know you will too”. Mais do que fazer um tradicional álbum de coração partido, Kevin explica de maneira belíssima o sentimento que quis transmitir, de que um término de relacionamento te leva a um outro lugar, não necessariamente pior – pois se não a relação não terminaria – é apenas diferente e incontrolável.

É engraçado como, nesta altura, ao ouvir um disco de Tame Impala, a sensação de perceber as influências do músico se confunde com a de comparar seu som com nomes que na verdade foram influenciados por ele. The Moment é Tears For Fears sem tirar nem por, Eventually tem elementos que lembram Beach House, o Lo-Fi inicial de Disciples poderia ser uma faixa de Ariel Pink, Cause I’m A Man tem um clima bastante Unknown Mortal Orchestra e The Less I Know The Better agradaria Michael Jackson sem dúvida alguma, além de todas as inspirações psicodélicas citadas em exaustão nos últimos anos, ainda presentes no álbum.

É excitante poder acompanhar de perto a evolução de Kevin Parker como músico e como produtor, disco após disco, e ainda perceber nos anos seguintes o impacto que isso terá na criação musical do mundo todo. Tame Impala se consolida entre as maiores bandas da atualidade pois, com o perdão do clichê, sabe olhar para o passado e para o presente com o mesmo respeito e consegue superar qualquer tipo de ego ou ambição apenas com a vontade cativante de fazer boa música.

Loading

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.