Resenhas

Tape e Scandurra – EST

Silvia Tape e Edgard Scandurra revisitam e recriam sonoridades familiares

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Ano: 2015
Selo: 180 Selo Fonográfico
# Faixas: 10
Estilos: Lo-Fi, Rock Alternativo, Pós-Punk
Duração: 37:27
Nota: 3.5
Produção: Silvia Tape e Edgard Scandurra

Que disco simpático, pessoal. Oriundo do encontro entre Edgard Scandurra, mais conhecido como o guitarrista da banda paulistana Ira!, de tantas glórias, tradições e projetos paralelos ao longo de três décadas, e a cantora/baixista/guitarrista Silvia Tape, atual integrante do grupo Mercenárias, dona de carreira solo elegante, que namora de longe o entroncamento entre Psicodelia e Pós-Punk, EST é uma inesperada surpresa neste fim de 2015, justo quando ninguém esperava algum lançamento que valesse nossa atenção. Há tempos que Edgard mostra mais talento e criatividade fora de sua banda de origem, sempre com mente aberta e disposição para ouvir/fazer novidades. Seu apreço pela música Eletrônica, por exemplo, rendeu bons álbuns nos anos 00 sob o nome “Benzina”, além de colaborações e crocâncias sonoras diversas. As canções e o conceito deste novo álbum surgiram há alguns anos, passando, necessariamente, pela ideia de gravar tudo em casa, em esquema Lo-fi. A chegada de Silvia mudou tudo. Pra melhor.

Dona de boa voz e capaz de escrever letras bonitas, a cantora fez com que o conceito original fosse adaptado para sua chegada. O que era rascunho e desapego evoluiu para um moderno trabalho de Rock, no sentido mais amplo que o termo pode comportar em 2015. Mesmo assim, EST é, basicamente, Scandurra em todos os instrumentos, a voz de Silvia e a participação de algumas pessoas, entre elas, Curumim, emprestando seu talento baterístico a algumas canções, especialmente em Asas Irreais, melhor do álbum, cheia de timbres amplos de guitarra e tambores nervosos por todos os lados, em função da doçura da voz de Tape, inesperada, porém conveniente em meio ao painel sonoro que se ergue. Mas nem tudo é doçura e céu azul por aqui.

A abertura com A Sua Intuição é noturna, perplexa em calma, com sonoridade que emula algo dos anos 1990, eletrônico, sussurrado, que dá lugar ao campo aberto e livre que Asas Irreais, já mencionado acima. A canção seguinte, Num Instante Qualquer é totalmente Rock, cantada por Scandurra e levada adiante por bateria e guitarras também tocadas por ele e presença elegante de Tape nos vocais de apoio do refrão. Hoje O Tempo tem uma sonoridade bem peculiar, lembrando um lado obscuro dos anos 1980, quando, em meio ao grande número de bandas surgindo em Manchester, The Durutti Column chamava a atenção pelo uso das guitarras e timbres econômicos, ideia de seu líder, Vinny Reilly. Edgard, macaco velho e conhecedor dos atalhos, certamente tinha as aquarelas sonoras do grupo em mente. Bolhas de Sabão é psicodélica, fofa e sessentista, trilha sonora de passeio no parque sábado de tarde.

Meu Lamento é um instrumental sem muita função definida, meio lúgubre, meio sintético, meio soturno, que tem na curta duração e sua maior qualidade, logo dando espaço para Concha, que surge acústica, singela, setentista, totalmente calcada no binômio violão/voz, algo bonito e raro nos dias de hoje. Com o tempo ela se transforma em clara criação psicodélica, com metais e levada dolente, algo como se Os Mutantes originais tivessem passado pelo estúdio para dar algumas dicas. Rio Rastro, logo em seguida, é um instrumental com clima é de guitarras intervindo em melodia hipnótica e sem pressa para terminar. Eu Acho Que Posso Esperar é outra canção que visita a tranquilidade guitarrística de The Durutti Column, com entrelace de acústico e elétrico em torno da voz de Silvia. O encerramento com Meu Lamento é delicado, soturno, falsamente simples, com mais comunhão de sons elétricos e orgânicos, com certo ar fadista em algum lugar não muito definido.

EST é uma criação coletiva com cara de projeto rascunhado sem compromisso e parecendo casual. Tem estrutura, conceito e noção de início, meio e fim, exibindo modernidade cosmopolita e doçura agreste legítimos. Típico projeto sem compromisso com qualquer outra coisa que não seja a satisfação de seus envolvidos. E do público. Bem bacana.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.