Resenhas

Tatá Aeroplano – Alma de Gato

Cantor e compositor lança seu melhor disco até hoje

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Ano: 2018
Selo: Independente
# Faixas: 8
Estilos: Rock Alternativo, Rock Psicodélico
Duração: 41:37
Nota: 4.0
Produção: Tatá Aeroplano, Dustan Gallas, Junior Boca e Bruno Buarque

Seja a bordo de bandas das quais participou (Jumbo Elektro, Cérebro Eletrônico, entre outras) ou em carreira solo, Tatá Aeroplano sempre foi uma figura de destaque no chamado underground da música nacional. Talentoso e inspirado, Tatá é mais visto como um hippie contemporâneo, algo que perigava eclipsar suas habilidades como músico e como compositor. Às vezes, a doideira psicodélica conseguiu ultrapassar os limites de suas criações, dificultando sua apreciação. Faltava um pouco de equilíbrio, de malandragem, de percepção. Pois bem, este momento chegou e Aeroplano entrega o seu melhor trabalho, seja só, seja em grupo: Alma de Gato.

É claro que este espírito não vai embora de um minuto pro outro. Como dissemos, ele está mais controlado e colocado a serviço da musicalidade do álbum. Mesmo assim, dentre as oito canções, há momentos em que ele dá as caras. Exemplo: o coro de cabras e bodes balindo no início da última faixa, O Alienista da Vila Romana, introduzindo um discurso meio sarau de poesia dos anos 1980, quase coloca tudo a perder. Antes disso, a canção anterior, Os Novos Baianos Sapateiam Na Garoa Dos Sex Pistols, soa como uma mistura demoníaca de Rogério Skylab com Oswaldo Montenegro tentando obter financiamento público para um disco em conjunto. Felizmente apenas estes dois episódios – curiosamente, nas duas últimas faixas – não colocam o disco a perder. É preciso valorizar suas – muitas – qualidades.

As outras seis canções são pequenas maravilhas, cada uma a seu jeito. Lirismo, otimismo, ótimas melodias e arranjos bem pensados, sempre tendo em mente a simplicidade musical, jogam a favor de Aeroplano. A abertura com Cores No Quarto é praticamente um amanhecer no lugar no qual se quer estar pelo resto da vida, que, fique bem claro, dura um segundo. A letra é uma dessas elocubrações que fazemos sobre o tudo e o nada, ao mesmo tempo. A belezura lúdica e urbana surge com Mil Almas de Gatos, fruto – assim como todo o disco – das andanças e moradia de Tatá no bairro paulistano da Vila Romana, traduz a observação do homem comum da cidade, que anda, passa e vê um horizonte que se amolda à sua visão pessoal. O instrumental é uma tangente de The Beach Boys idealizado, uma lindeza sutil. “Mil gatos, mil parques dentro de você”. As participações de Luiz Romero e, sobretudo, Mallu Maria e Julia Valiengo abrilhantam a coisa toda.

As duas melhores criações do disco – e da carreira de Tatá – atendem por Deixa Voar e Vida Inteira. A primeira tem jeito de hit radiofônico, com guitarras dolentes, percussão na medida e um refrão de anos 1980 otimista que dá vontade de bater na porta do vizinho que implica com você e fazê-lo ouvir e cantar junto. Já A Vida Inteira é uma canção absolutamente perfeita, com levada aerodinâmica, instrumental na medida entre o eletrônico e o acústico e versos sensacionas como “vai tudo bem, vida inteira pela frente vai” ou “vou sozinho, sigo o trilho da avenida que eu chamo de vida”. São pouco mais de cinco minutos de sol entrando na janela do seu quarto e te chamando para sair às ruas e dançar com quem estiver passando. É ufanista, otimista e capaz de tudo. De bom. Colorir de Carnavais e Hoje Eu Não Vou fecham o saldo positivo do álbum. Melodiosas, charmosas e cheias de potencial para cantorias e dedicatórias de amor, com nítida impressão de que crescem horrores ao vivo.

Tatá Aeroplano, meu caro, parabéns. Apesar das faixas 7 e 8, seu disco é uma beleza e merece reconhecimento total. Uma lindeza.

(Alma de Gato em uma música: Vida Inteira)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.