Resenhas

The Afghan Whigs – In Spades

Banda lança ótimo disco e segue em forma após retomada da carreira

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Ano: 2017
Selo: Sub Pop
# Faixas: 10
Estilos: Rock, Rock Alternativo, R&B
Duração: 36:27
Nota: 4.0
Produção: Greg Dulli

Este é o segundo disco que Greg Dulli lança com sua banda original, The Afghan Whigs, desde o retorno em 2014. Até então, o grupo mantinha sua fama de cult noventista, muito pela originalidade da mistura que norteava suas canções, a saber, o rockão surgido nos EUA nos anos 1990, de ascendência alternativa e o R&B mais clássico, em sua vertente contemporânea-safada, especialmente de gente como Prince. Muitos fãs não aceitaram este retorno, uma vez que Afghan Whigs ficou 16 anos sem gravar nada de novo, tendo Dulli preferido criar duas bandas alternativas bem boas, The Twilight Singers e Gutter Twins, nas quais ele deu vazão ao seu tema principal – o lado negro do amor e das pessoas – com instrumentais menos pesados. O disco de retorno, Do To The Beast (2014) foi acusado de parecer lançado por uma dessas formações adjacentes, exatamente o mesmo que algumas publicações dizem sobre este ótimo In Spades. Tolinhas.

O bacana destes dois álbuns de retorno é, justamente, a desencanação de Dulli com preocupações em soar exatamente igual ao que fazia há quase duas décadas, deixando mensagens implícitas que tornam sua presença. Sua voz cavernosa já está desgastada pela ação do tempo e dos excessos, conferindo uma detonação muito bem vinda para quem se arvora a ser cronista da esquisitice/perversão humana nos sentimentos. A prevalência de climas de teclados e mesmo arranjos de cordas dá a dimensão da ausência do guitarrista fundador Rick McCollum, deixando este instrumento em uma posição bastante discreta, porém, jamais ausente. Felizmente, outro sócio atleta da banda, o baixista John Curley, compensa com sua habilidade nas quatro cordas. O forte, entretanto, é a capacidade de Greg Dulli em abrir seu coração e falar de coisas estranhas e obscuras como quem narra um passeio no parque depois do almoço num dia de verão.

É preciso destacar a ótima qualidade da gravação do álbum. Em terra de timbres soturnos e obscuros, é essencial que o ouvinte tenha a possibilidade de perceber todos os detalhes. Mesmo que a gente enfatize as qualidades dark das canções, muitas faixas não são exatamente lentas/contemplativas, pelo contrário, a maioria exibe uma admirável capacidade de apreciação próxima da dança, não a que faz as pessoas pularem na pista, mas aquela que se empreende entre quatro paredes, em, digamos, outras circunstâncias. É o caso específico do primeiro single, a ótima Demon In Profile, que tem melodia conduzida pelo piano e que tangencia tudo o que uma boa canção deve ter: capacidade assoviável, bom instrumental, arranjo e vocal, tudo jogando junto e caminhando na mesma direção. Arabian Heights é outro ótimo exemplo, com uma estrutura típica de vários sucessos dos Whigs no passado, ela equilibra muito bem as influências da banda e explode num belo refrão.

Light As A Feather é outra típica canção de Dulli à frente da banda. Guitarra lembrando sucessos de alguma trilha sonora Blaxploitation, vocais que vão entrando aos poucos e um clima de tensão que se estabelece para não ser completamente sublimado ao fim da música. Copernicus, pesada, estranha, meio abrutalhada, mas inexplicavelmente dinâmica, é outro ponto alto deste feixe de canções, enquanto The Spell surge inovando com batidas eletrônicas e arranjo de cordas, que servem para emoldurar a voz de Dulli. Esta sim, talvez seja a faixa que mais pareça com algo que Twilight Singers poderia ter gravado em algum momento dos anos 00.

Com força, inteligência e vigor inegáveis, Greg Dulli coloca o nome de sua banda principal na capa do disco, ao lado de uma gravura de um demônio em preto e branco, assumindo suas influências e ousando inovar. Não há nenhuma contra-indicação por aqui, pelo contrário.

(In Spades em uma música: Light As A Feather)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.