Surgindo das sombras 16 anos depois de seu último álbum, a instituição The Cure acaba de lançar o 14º exemplar de sua discografia. Songs of a Lost World é um monólito de apenas oito faixas, mas com 50 minutos de duração, que preenche nossos ouvidos com sua exuberância sonora. Permeado por intervalos instrumentais grandiosos, Songs of a Lost World traz uma surpreendente renovação de uma banda cujos primórdios datam lá dos anos 1970.
Eu cresci e me formei ouvindo The Cure não necessariamente porque era fã incondicional da banda, mas porque o projeto liderado por Robert Smith era item obrigátorio se você quisesse ser músico, ou pelo menos dizer que entendia e gostava de musica “alternativa” na virada do século. A pose gótica de Smith é icônica, sendo motivo de paródia e referência na cultura mundial, embora suas músicas nem sempre fossem necessariamente tão sombrias assim. Ouvir clássicos do Cure hoje é surpreender-se com os acordes maiores e os riffs chiclete, como se nossa memória estivesse nos pregando uma peça: onde está aquela atmosfera umbrífera e aquela bile negra que achei que fazia parte da alma de Robert Smith?
Songs of a Lost World traz na capa a imagem de uma estátua de um reino esquecido, que sobrevive nos escombros da história apenas como arqueologia, ou como uma obra-prima, a figura de uma divindade usurpada de seu reino original e que hoje sobrevive empoeirada no acervo de algum museu europeu. Creio que é mais ou menos assim que a banda se sente, já que The Cure ajudou a formar o imaginário do rock alternativo, de onde depois se desprenderam vertentes musicais inteiras, como o shoegaze, por exemplo, mas agora parece resistir apenas como uma evidência do passado. Mais do que isso, Songs of a Lost World soa como um confronto de visões de mundo, de uma pessoa que se depara com a própria memória e vê que o mundo não se tornou aquele que havia prometido se tornar.
Robert Smith se coloca à frente de um penhasco nublado, narrando o que vê lá de cima. Ao invés de remoer suas próprias referências, The Cure navega pelo doom e pelo post-rock instrumental, respirando ares contemporâneos. Claro, a pose rockstar ainda está lá, com um crachá de veterano pendurado no pescoço de cada membro da banda, mas Songs of a Lost World passa longe da obsolescência. Ao contrário, não há apego ao passado, mas sim uma coragem de encarar o futuro rara de se encontrar –caso de Blackstar, por exemplo, o canto do cisne de David Bowie.
Em “Alone”, a faixa de abertura, cuja introdução avança por mais de três minutos de duração, somos surpreendidos por Smith cantando “this is the end of every song we sing”, em uma jogada simbólica que inverte os termos da equação. “Como pode um disco começar dizendo que chegou no fim?”, indagamos, e em seguida ficamos pensativos com a proverbial condição humana explorada pelas letras de Smith.
Com tudo tingido de nanquim, as músicas de Songs of a Lost World passam mensagens de desamparo e luto – mais com estados de espírito do que com canções propriamente ditas, colocando The Cure como um intempestivo mensageiro das sombras.
(Songs of a Lost World em uma faixa: “Alone”)