Resenhas

The Mountain Goats – Beat The Champ

Banda usa mundo da luta livre como vívida metáfora de nosso dia a dia

Loading

Ano: 2015
Selo: Merge Records |
# Faixas: 13
Estilos: Indie Rock, Rock Alternativo
Duração: 45:51
Nota: 3.5

Para entender um pouco mais sobre Beat The Champ, precisamos ter duas coisas em mente: 1) não é preciso compreender absolutamente nada do esporte que estampa a arte da capa, e; 2) precisamos falar sobre John Darnielle. Vamos começar, porém, com a segunda questão. Darnielle é a voz e alma por trás de The Mountain Goats, letrista e instrumentista responsável por criar ao longo de 20 anos de carreira mais de uma dúzia de álbuns com a banda. Até aí, nada mais, mas o que torna a carreira de John e seu grupo tão interessantes é o lado escritor do músico, seu foco e qualidade na hora de criar narrativas. Wolf in White Van (2014) é seu mais recente romance e conta a história de um recluso desenvolvedor de jogos que teve seu rosto desfigurado depois de se dar um tiro. Por mais que a história de Beat The Champ seja bem diferente, o clima narrativo continua presente, se desenvolvendo como um ambicioso disco conceitual.

Voltando ao primeiro ponto. Se você não sabe nada de wrestling – luta livre, como é conhecida no Brasil, ou o esporte praticado pelo protagonista de O Lutador, filme de Darren Aronovsky-, ou mesmo não se identifica com aparente a proposta do álbum, não julgue-o pela capa, logo você estará absorto na narrativa. Do mesmo modo que você não precisa ser “cego, surdo e burro” para se identificar com Tommy, não há a necessidade de ser um lutador ou fã da tal luta para entrar no clima do disco, ainda mais quando Darnielle cria figuras tão vividas e coloridas de como são esses embates e a vida dos lutadores dentro e fora dos ringues – há uma riqueza tão grande de detalhes nas letras de John, que parecem mesmo vindas de algum romance. Após alguns poucos minutos você já está tão imerso nas faixas que quer devorá-las, assim como faz com as páginas de um livro que achou muito interessante.

Através das figuras dos lutadores, Darnielle discorre sobre fama, ganância, ego e, sobretudo, violência. Por fim, o disco é mais uma analise do nosso dia a dia do que uma história somente sobre a luta e seus personagens. Imagens bem vívidas da violência no ringue e o interesse do fã em assisti-las denunciam nosso voyeurismo quanto às cenas violentas que acontecem ao nosso redor – e, não à toa, nossa TV está apinhada de programas em que a violência é o foco. Lidar com a vaidade e com os demônios internos também entra na narrativa, assim com o simbólico uso de máscaras e de se “tornar o cara mal” – ponto de mudança na narrativa que é mostrada na faixa Heel Turn 2. Ainda que com certo cinismo, John humaniza seus personagens, os transforma em algo mais que que simples “lutadores nos ringues”.

Traços da vida do próprio músico também estão presentes, como em The Lengend Of Chavo Guerrero, na qual aborda a conturbada relação com seu padrasto durante a infância. E, por falar nesse período da vida, o músico escreveu um pequeno texto que pode elucidar o tom do álbum: “Eu escrevi essas músicas me reimergindo no sangue e fogo que essa imagens causavam em mim quando criança e também para ver o que mais elas poderiam causar agora que cresci”. Darnielle volta aos seus dias de criança, mas com a mentalidade de um adulto e com uma visão bem diferente do que significava todo aquele mundo de “faz de conta”. No capítulo final da narrativa, no qual o lutador perde um desafio e é forçado a cortar seu cabelo, John profere “I loved you before I even ever knew what love was like”, em um momento misto entre inocência e empatia com seu herói que está sendo humilhado em frente ao público. Um verso que mostra perfeitamente a ambivalência do músico sendo uma criança adulta – ou seria o contrário?

Musicalmente, esse é um disco ímpar na carreira do grupo, sendo bem mais vívido e cheio de elementos, se comparado ao sombrio Transcendental Youth ou mesmo aos mais sóbrios All Eternals Deck, The Life of the World to Come – e Choked Out talvez seja a faixa que melhor capture essa “antiga” fase da banda. Para chegar a tal resultado, o grupo usa uma série de elementos ecléticos, como o piano (em grande parte das faixas), metais (Foreign Object) e lap steel guitar (Animal Mask e The Ballad of Bull Ramos). Vale a pena ressaltar também toda a variada paleta de estilos que o grupo percorre durantes as treze faixa do disco. Há um pouco de Folk à la Sufjan Stevens na abertura, Southwestern Territory; Jazz em Fire Editorial; Indie Rock em seu sentido mais noventista em The Legend of Chavo Guerrero; balada mexicana (quase um novelão) em Stabbed to Death Outside San Juan; uma espécie de Radiohead minimalista em Luna; e a volta do clima Folk no fechamento, Hair Match. Mudanças que determinam o clima do álbum e que seguem na narrativa do herói.

Loading

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts