Resenhas

The National – I Am Easy To Find

Oitavo disco da banda norte-americana versa sobre as incertezas de nosso tempo e vem acompanhado de um curta-metragem dirigido por Mike Mills

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Ano: 2019
# Faixas: 16
Estilos: Indie, Alternative Rock
Duração: 63’
Nota: 4.5

Toda sexta-feira, uma enxurrada de novos discos é lançada no Spotify. Muitos desses, a gente ouve com ansiedade, com todo mundo fazendo quase um live listening na internet. Outros, no entanto, passam batidos e alguns a gente pensa “depois, outro dia, eu ouço”. Os lançamentos em conjunto criaram diferentes formas de consumir a música, assim, os artistas e suas gravadoras tentam criar outras formas de se comunicar e chamar a atenção. Por isso, dá-lhe disco surpresa, álbum visual e buscas por novos formatos e tentativas de criar faits divers a serem midiatizados.

O grupo The National, para o lançamento de seu oitavo álbum, parece querer desconstruir esses parâmetros que têm se tornado usuais na indústria musical. Eles se utilizam deles de forma diferente: “I Am Easy To Find” é um disco longo e denso de mais de uma hora, mas também é um curta metragem de quase-meia hora dirigido por Mike Mills. Você pode pensar: é um álbum visual? É e não é. Os dois trabalhos funcionam isoladamente, o filme existe a parte do disco. O curta, na verdade, foi até feito antes do LP e algumas canções foram criadas para ele e, só depois, por outras razões, acabaram por serem inseridas no disco.

O diretor de Toda forma de amor (2010) e Mulheres do século XX (2017), chamou Alicia Vikander para estrelar o filme e ela, por sua vez, se tornou a imagem de capa do disco. A escolha é esperta tendo em vista que esse um disco em que a banda dedicou-se a abrir espaço para mulheres em sua sonoridade. A lista de convidadas é ampla e forte:

Brooklyn Youth Chorus: 23 vozes femininas do coro aparecem em três faixas do disco, sendo duas delas espécies de vinhetas sorumbáticas.

Kate Stables: a britânica por trás do This Is the Kit aparece em três faixas emblemáticas do disco, “Rylan”, “Not in Kansas” e na faixa-título.

Sharon Van Etten: a cantora, dona de um dos grandes discos do ano (Remind Me Tomorrow) aparece na faixa “The Pull Of You”, em que sua voz quase se embrenha na de Lisa Hanningan.

Lisa Hanningan: a premiada cantora irlandesa aparece em quatro faixas, incluindo a dolorosa “Hairpin Turns”.

Mina Tindle, Diane Sorel e Eve Owen: as três cantoras participam de uma faixa cada.

Gail Ann Dorsey: a cantora e musicista norte-americana conhecida por acompanhar David Bowie desde os anos 1990 até sua morte, aparece nesse disco em seis faixas, dando o tom em canções como “Hey, Rosey” e “Roman Holiday”.

É a contraposição entre a voz de Matt Berninger com todas essas outras vozes que torna I Am Easy To Find tão diferente dos trabalhos anteriores da banda. As agruras românticas de discos como Boxer (2007) ou High Violet (2010) permanecem aqui (até a desesperança de Trouble Will Find Me [2013] dá as caras), porém, misteriosamente, algo torna o LP ainda mais melancólico. “Muitos dos temas desse disco giram em torno da ideia de perder a noção de quem se é. Sentir-se perdido”, já disse Matt. Não à toa, as canções partem de universos supostamente românticos para, no fim das contas, tangenciarem o medo, a insegurança e a solidão. Isso sem falar nos assuntos mais imediatos como o crescimento da alt-right nos Estados Unidos. “What are we going through, wait and see / Days of brutalism and hairpin turns”, diz o refrão de “Hairpin Turns” que, em português, quer dizer: “O que nós estamos passando, espere e veja / Dias de brutalidade e curvas fechadas”.

A palavra alemã “zeitgeist” é usada de maneira leviana atualmente, mas, I Am Easy to Find parece, de fato, captar o tal “espírito do tempo”. É um disco quebradiço e que, na contramão das polarizações, busca diálogo e contato humano. “Not in Kansas”, é um bom exemplo: com mais de 6 minutos, a faixa é um tour de force faz referência a um cena do Mágico de Oz (1939) em que Dorothy diz que “não estamos mais no Kansas”, como a dizer que não se está mais em território familiar. A partir daí, na mesma música, ele ainda atravessa assuntos como Annette Bening, canções do R.E.M. para, de alguma forma, terminar confessando que talvez não tenha coragem para socar um nazi quando for necessário.

A delicadeza do disco frente às adversidades que o mundo (exterior e interior) apresenta traz à obra uma sensação de abraço quebrado. Como quem diz: “Estamos juntos”. I Am Easy To Find pede o nosso tempo e uma camada mais profunda da nossa atenção. Apesar de lançarem mão de estratégias particulares da nova fase da indústria musical, a banda se atualiza e, de alguma forma, consegue manter-se na contramão do frenesi. O filme, os singles e as propostas diferentes de audição vêm aqui para criar novos sentidos e não tão somente destrichar o disco comercialmente.

É como um quebra-cabeças que nunca se completa. Você vai juntando as vozes, criando diálogos, encontrando as referências – que vão de Philip Roth à Patti Smith e Robert Mapplethorpe – e tenta desvendar esse universo proposto pelo The National. É um convite ao ato de tatear as arestas, de ver o escondido e ler as entrelinhas. Uma jornada ampla que percorre opostos (vai do exagero ao minimalismo) de forma assustadoramente bela. Amor (suas agruras e seu poder) em tempos de cólera e irracionalidade.

(I Am Easy To Find em uma música: Light Years)

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ARTISTA: The National
MARCADORES: Alternative Rock, Indie

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