Resenhas

Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra – Fuck Off Get Free We Pour Light on Everything

Carregado emocionalmente, sétimo disco do grupo rejuvenesce o espírito Punk em músicas orquestradas com sinceridade

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Ano: 2014
Selo: Constellation Records
# Faixas: 6
Estilos: Rock Experimental, Indie Rock, Post-Rock
Duração: 49:17
Nota: 4.0
Produção: Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra

Godspeed You! Black Emperor e Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra podem ser considerados o diagnóstico bipolar de um grupo de músicos. Enquanto a segunda banda compartilha de alguns membros do misterioso grupo canadense de Post-Rock instrumental, o guitarrista Efrim Menuck, a violinista Sophie Trudeau e o baixista Thierry Amar, suas formas de expressão não são tangentes. GY!BE é conhecido pelo laconismo espartano: declarações conjuntas são feitas em manifestos enquanto as entrevistas são tão esparsas quanto suas aparições públicas. Esta foi a forma com qual os membros deste coletivo decidiram se portar diante da música e sua indústria, colocando seus ideais, recusas e rebeldia como símbolos contra uma estrutura consolidada. Logo, a forma como Mt. Zion se comunicava com sua audiência mostrava um lado oposto, mas pertencente à mesma moeda.

Ambos se expressam através de músicas épicas, diferenciando-se pela imediatez de cada um dos trabalhos. A música instrumental sempre se mostrou muito mais subjetiva que o Punk feito pelo Mt. Zion, que em seu sétimo disco, o primeiro com sufixo Memorial Orchestra,Fuck Off Get Free We Pour the Light on Everything, demonstra que a emoção é o forte do grupo. Aliás, rotular este projeto paralelo como Punk, gênero no qual os próprios se encaixaram, pode parecer estranho dado a primeira imagem que vêm a cabeça: poucos acordes, letras raivosas e energia. Substituindo o primeiro elemento pela orquestra é possível ter um pouco de noção do que se passa aqui. Menuck tem urgência e aspereza em sua voz e os cortes impostos pelo acompanhamento de sua banda são impactantes no trabalho.

A faixa título por exemplo, assim como a primeira metade da obra, é carregada de ferocidade. Tirando a doçura de uma criança abrir o disco dizendo que vive em Montreal – uma ilha – e que eles fazem muito barulho porque se amam, o resto é enérgico, raivoso e imediato. Consegue-se perceber que os gritos de insatisfação são acompanhados por uma postura responsável: não adianta se manter oposto ao sistema e continuar calado, passivo. A resposta veio através da música. As mazelas de uma economia em períodos de crise são o mote para Austerity Blues, faixa regionalista e que demora para explodir sem tornar esta expectativa um veneno. Ao longo de quase quinze minutos, somos introduzidos a cânticos e instrumentos que nos fazem viajar a um período feudalista, medieval, uma regressão em relação à visão atual do capitalismo. Enquanto o Canadá se perde em meio a crise, Mt.Zion toma o problema para si e utiliza-se mais uma vez da música para contar o problema.

Nada aqui é artíficio para o subconsciente, o soco na cara é para não esquecer que as longas faixas intrumentais e viajantes do GY!BE são somente uma forma distinta de abordar os mesmos problemas. Este trabalho é muito mais direto e por isso mais emotivo, Menuck é um intérprete sensível e as mudanças de timbre ao longo do disco são a afirmação de que suas palavras são verdadeiras. Take Away These Early Grave Blues tem consciência e atitude Punk enquanto a seguinte Little Ones Run é calma e quebra totalmente o clima do disco, no bom sentido, pois a respiração até o momento tornara-se mais frequente, palpitante, daquelas que você quase colapsa após exercícios físicos intensos.

No entanto, temos somente uma grandiosa união entre ímpeto e melodia na emocionante What We Love Was Not Enough. Uma análise da sociedade atual, seus desfechos e talvez esperança de mudança são expressas nos versos da orquestrada faixa. “The world itself consumed / Man, that’s the only truth / And what we loved was not enough / Even though we wanted to” machuca logo de cara, saber que o amávamos não era o bastante apesar da vontade é triste demais. Porém, não decidimos se o que fere mais são as letras ou o doloroso violino que acompanha toda música. Feito para que lágrimas sejam despejadas, o instrumento é fundamental para consolidar o sentimento da canção. Em sua segunda metade, quando já nos vemos desejando abraçar as poucas certezas de nossa vida, recebemos a denúncia: “There’ll be war in our cities / And riots at the mall / There’ll be blood on our doorsteps / And panics at the ball”. É o apocalipse anunciado. Sua conclusão é crua e apesar de ouvirmos “then the west will rise again”, ironia para encruzilhada que o ocidente econômico se vê atualmente diante de uma China poderosa, escutamos ao fim, mais uma vez, que o amor não é o bastante.

Através da comoção generalizada que Mt. Zion proporciona por sua urgência e sinceridade é que entendemos o porquê do Punk. O grupo, assim como sua contraparte calada mas igualmente anárquica, traz à tona elefantes brancos na sala, elementos que procuram nunca ser mencionados. Tentando mudar o mundo de alguma maneira, os canadenses conseguem pelo menos nos emocionar e sem viagens ou escalas, mostrar que às vezes, a única solução é continuar caminhando e trabalhando para que um dia, os seus sonhos se tornem realidade. Ao final, todo o experimentalismo do disco é quase que colocado de lado para que o sentimento ocupe o papel principal nesta belíssima obra.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.