Resenhas

Tortoise – The Catastrophist

Banda esbanja maturidade em novo álbum

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Ano: 2016
Selo: Thrill Jockey
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Post Rock, Experimental
Nota: 3.5
Produção: John McEntire

Estardalhaço não está no menu de opções do quinteto americano Tortoise. Sua influência na música popular planetária é grande, mas não é nunca notada ou alardeada por aí. Seu discreto hiato de sete anos, no qual permaneceu sem lançar um novo álbum, também passou sob o radar. Este novíssimo trabalho, The Catastrophist, também chega sorrateiro, subliminar, se aconchegando no coração dos fãs, em busca do lugar reservado para si há bastante tempo. Rótulos como Post Rock ou Rock Eletrônico/Experimental já foram relativamente capazes de compreender a abordagem sonora da banda, mas já não se mostram totalmente capazes de dar conta da ideia. Passado tanto tempo, aos poucos notamos que a ideia da música de Tortoise é a apropriação indébita de referências, o reprocessamento delas, o fornecimento de novas cara e estética para gêneros tão amplos quanto Jazz, Rock e Música Eletrônica.

Precisou algum tempo para que todas essas referências gigantescas e abrangentes por demais se acomodassem na música feita por Tortoise e atingisse uma maturidade, algo que a banda exibe com orgulho neste novo álbum. Dá aquela impressão de que é tudo fácil, que “são só umas canções instrumentais bobinhas”, mas é possível observar o cuidado com timbres, sonoridades e ambiência. Tudo está no lugar em que deveria estar, mas nada está próximo de qualquer obviedade. Há guitarras, baixos, bateria, teclados, eletrônicos aqui e ali e você tem dificuldade para dizer onde está o que, característica primordial da sonoridade de Tortoise, que felizmente não se perdeu com a maturidade. Aliás, entenda por “maturidade” o domínio completo de sua composição e execução, jamais algo que seja próximo de “banalidade” ou “perda de entusiasmo”.

Mesmo num trabalho que prima pela exibição de familiaridades, duas canções saltam aos ouvidos: a primeira,”Younder Blues, com vocais de Georgia Hubley, do simpático trio Yo La Tengo. O clima que surge é de uma balada espiritual sem ser Soul, triste, sob a neve, com guitarras que decalcam o melhor das tonalidades do Rock Alternativo americano desde o início da década de 1990. A outra extravagância está numa cover de Rock On, sucesso de David Essex, que costumava frequentar programas de auditório ianques no início dos anos 1970. A sonoridade é meio robótica, no sentido escuro e undergroud do termo, contaminando definitivamente a vinheta Gopher Island, que vem logo após. Quando as guitarras assumem algum protagonismo, surgem sob o manto de timbres esquisitos e sintéticos, como é o caso de Shake Hands With Danger, com percussão digital estranha e um tom sombrio de modernidade inevitável.

Faixas como The Clearing Fills e Gesceap, erguidas a partir do diálogo de sintetizadores com percussão ocasional e guitarras contrabandeadas, têm algum olhar mais delicado para tonalidades amistosas e contemplativas, ainda que haja sempre um receio de alguma alteração brusca no caminho modifique qualquer impressão singela que surja. Hot Coffee é mais oitentista em sua proposta, surgindo com uma inequívoca estrutura advinda da Funk Music daquele tempo, meio branquela, meio empastelada, mas ainda devedora ao propósito dançante da coisa. Tesseract já apresenta outra praia, a do Jazz setentista, com bateria nervosa e intermitente conduzindo pinceladas de guitarras e efeitos sutis o bastante, dando a impressão que alguém está pintando um quadro em frente à praia, numa tarde nublada. O Jazz Fusion ainda serve de combustível para a faixa de encerramento, At Odds With Logic, com mais clima de interação com a natureza, numa trilha hipotética de reportagem televisiva sobre a Floresta da Tijuca, caso os programadores tivessem bom gosto ou desconhecessem a noção de que a música precisaria apenas acompanhar a imagem. Neste caso, a disputa seria acirrada.

Tortoise demorou sete anos para retornar ao disco com um álbum que nunca soa como mera repetição do que já fez, mas como uma celebração às suas influências, ao tratamento que elas recebem e ao domínio total desta mecânica que as reprocessa e faz algo novo, ou melhor, algo com a cara da banda de Chicago. The Catastrophist talvez não agrade a quem pensa que Tortoise é apenas uma formação de Post Rock, mas vai fazer a delícia dos que apenas desejam ouvir música boa, densa e bem produzida.

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BOM PARA QUEM OUVE: ruido/mm, Constantina, Mogwai
ARTISTA: Tortoise

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.