Resenhas

Touché Amoré – Stage Four

Quarto disco da banda explora o luto e a reflexão do vocalista após o falecimento de sua mãe

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Ano: 2016
Selo: Epitaph Records
# Faixas: 11
Estilos: Post-Hardcore, Emo, Hardcore Melódico
Duração: 35:10
Nota: 4.5
Produção: Brad Wood

Por que levamos flores aos mortos? Seria uma tentativa de tornar um evento trágico em algo belo? Ou teria um fim prático de disfarçar o cheiro de carniça com uma doce nuance? Ou ainda uma espécie de presente e lembrança para o falecido ente levar para o próximo plano? De qualquer forma, elas são homenagens extremamente simbólicas e seus significados costumam trazer algum conforto aos parentes, uma espécie de uma última despedida. Dessa forma, lidar com a morte nunca é uma tarefa fácil e, no caso de Jeremy Bolm, vocalista de Touché Amoré, é especialmente mais doloroso por se tratar de sua mãe, falecida em 2014, vítima de uma dura batalha contra o câncer. Dessa forma, foi natural que o compositor usasse seu talento como exímio letrista para desabafar sobre um dos episódios mais dolorosos da vida de uma pessoa. Jeremy entrega, assim, as flores finais para sua mãe.

Stage Four é um disco intenso. Quarto trabalho da banda, seu título também faz referência ao último estágio de progressão do câncer, no qual pouco pode ser feito pelo paciente. Uma maturidade ímpar acompanha a banda no que diz respeito à produção do disco que, encabeçada por Brad Wood (Sunny Day Real Estate, Placebo), torna-se mais melódica e trabalhada. A textura crua de discos passados agora dá abertura a uma ambientação mais gelada e úmida, explorando mais reverbs e chorus nos instrumentos de corda. Com uma temática delicada, parece que o grupo tomou um cuidado extra ao produzir este registro, tendo cada faixa uma aura única, refletida na escolha precisa de timbres e composições mais elaboradas. Entretanto, a maturidade aqui não vem só expressa em faixas instrumentais mais trabalhadas, mas na própria poesia de Jeremy que põe tudo o que sente para fora.

O elogio fúnebre de Jeremy é muito mais intenso e profundo do que um compilado de boas memórias com sua mãe. É um retrato psicológico de todo o processo de lidar com a perda, ao mesmo tempo que agradece tudo que ela fez por ele. Da mesma forma que é um epitáfio profundo, também é um exercício de reflexão do vocalista sobre o quanto esta experiência mudou sua vida, refletindo sobre o quanto seus medos ainda são extremamente presentes e como, de repente, ele foi obrigado a crescer e lidar com tudo de maneira tão impetuosa. E, nesse exercício árduo, Jeremy se expressa de diferentes formas, ora explorando metáforas ricas, ora tentando nos entregar de forma sincera e crua toda a dimensão de seus pensamentos.

O trabalho começa com um luto antes mesmo do fatídico episódio acontecer. Flowers and You é um pedido de desculpas e um remorso de não ter aproveitado a companhia de sua mãe em seus últimos minutos. Rapture é um desabafo sobre a tentativa de se manter positivo e como é fácil de ceder aos danos emocionais. Displacement é um grito desesperado que ecoa pela esfera do metafísico, entre conversas com Deus e a crença de que sua mãe ainda zela por seu filho, como ela disse que faria.

Eight Seconds introduz a reflexão de Jeremy sobre o quão desconhecedor ele ainda é da vida, tecendo uma metáfora poderosa a respeito de um ator que ainda não decorou suas falas antes do espetáculo. Palm Dreams e Water Damage são faixas que refletem a solidão de ter que enfrentar seus pensamentos sozinhos, sem ajuda da pessoa que mais o conhecia e sem esperanças de que ele vá encontrar uma epifania nos detalhes mais insignificantes. Por fim, Skyscraper é o ponto final neste episódio duro de Jeremy, construindo uma metáfora de que o gigante arranha-céu o deixaria mais próximo de sua mãe e ilustrando isto com uma mensagem de secretária eletrônica que deixa um último recado: não estarei mais aqui quando você chegar em casa.

Stage Four é um momento de maturidade e reflexão não só na vida de Jeremy Bolm, mas na nossa também, no qual somos extremamente sensibilizados pela dor e luto, parando para refletir um pouco mais sobre o tema. Touché Amoré nos entrega sua obra definitiva, mostrando o disco mais sensível de 2016. Uma obra extremamente emocionante sobre o fim e o árduo recomeço.

(Stage Four em uma faixa: Displacement)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique