Resenhas

Tricky – Skilled Mechanics

Novo álbum do rapper sombrio inglês poderia ser bem melhor

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Ano: 2016
Selo: False Idols
# Faixas: 13
Estilos: Hip Hop, Trip Hop, Eletrônico
Duração: 34:20
Nota: 3.0
Produção: Tricky

Tricky começou sua carreira em fins dos anos 1980. Integrou o coletivo Wild Bunch, que se reunia e fazia festas, gravava fitas cassete e se apresentava nos buracos quentes de Bristol, Inglaterra. Pouco depois, entrou para Massive Attack, formada por integrantes desta mesma galera e, após dois discos, saiu do grupo para seguir sua carreira solo, a partir de 1995. Sendo assim, por matemática simples, o sujeito está por aí há mais de 20 anos, dando sua versão do que entende por música popular, neste caso, um híbrido de Hip Hop, música Eletrônica de baixo orçamento e crônicas urbanoides de periferia e de infância/adolescência cheia de problemas. O pai de Tricky não o criou e sua mãe cometeu suicídio ainda cedo, afetando-o para sempre e influenciando decisivamente em sua forma de compor, gravar e se apresentar.

Este Skilled Mechanics é muito mais um projeto no qual Tricky comanda músicos, colaboradores, cantores e demais envolvidos na feitura de um álbum, além de entrar e sair do estúdio e das canções com atribuições que variam de produtor a cantor/rapper. Isso não é novidade para ele, que lida com esses ofícios desde cedo. Interessante é a presença do DJ Milo, um velho amigo dos tempos de Wild Bunch, que esteve presente por vários anos ao lado de Tricky, colaborando, compondo, sugerindo. Aqui ele tem participação interessante na confecção dos climas do álbum, que soa como um retorno a este espírito meio coletivo, improvisado, típico dos primeiros dias, algo que também se reflete na busca por sonoridades mais cruas, próximas do Hip Hop tradicional, usando pouco a eletrônica. Claro, os timbres soturnos, chuvosos, esquisitos estão aqui e ali, mas não são a tônica do disco. Outro dado importante em termos de influência está na mudança de ares que nosso amigo promoveu, deixando a Velha Ilha para morar em Berlim, algo que se traduz numa sensação de mobilidade, de leveza, se é que tal item é possível em criações “trickyanas”.

Há surpresas por aqui. A primeira faixa, I’m Not Going, tem participação de Oh Land e clima que lembra algum lado-B de bandas noventistas do quilate de Garbage, menos dançante e expansiva, mas nervosa, contida. Hero tem batida Pop até demais, mas o contraste que surge da interação delas com o registro maníaco de Tricky é interessantíssimo, soando como se alguém grafitasse um palavrão terrível no muro de um Jardim da Infância. Don’t Go já se parece mais com o que ele fazia nos dias de glória do início de sua carreira, mas sem o apuro instrumental de então. Beijing To Berlin, a faixa seguinte, tem participação da rapper chinesa Ivy, com aquele timbre infantil/pervertido que povoa a mente do próprio Tricky, fã de cantoras exóticas desde sempre. A melhor canção do disco é How’s Your Life, com efeitinhos de bateria/percussão e certo clima de suspense que vai crescendo ao longo da faixa. Here My Dear também faz bonito, misturando batidas básicas da pista de dança com mais murmúrios e coisas sinistras no canto escuro. A colaboração com a cantora Francesca Belmonte também é interessante, conferindo dualidade e arrepios ocasionais para We Begin. A colaboração central com Milo, Necessary, também é simpática, no ponto equidistante entre Hip Hop e Eletrônica, a encruzilhada mor.

Se há surpresas, há faixas bem dispensáveis. Diving Away é frouxa, com instrumental monótono, voz entediada (mesmo, não é tipo) e um ar não-intencional de sobra de estúdio. Boy, que é autobiográfica, narra eventos barra pesada da vida de Tricky surge como uma faixa burocrática, sem criatividade, apelando para os vocais soturnos característicos. Uma nota de teclado pontuando a canção, coloca tudo a perder. Bother já é mais interessante, com alguma reverberação de teclados em choque com a fluidez árida trickyana habitual. Wall não decola e ainda provoca certo riso involuntário na forma com que a palavra é murmurada, algo como “uéeeé”, “ueéé”, mas tudo bem. Unreal é pequena faixa que fecha o disco com timbres sufocantes, teclados solenes e fugidios, que servem de moldura para o vocal de Francesca, devidamente convertidos para o terreno do sonho/pesadelo. Até que funciona.

Tricky fez um álbum bem interessante há pouco tempo, Adrian Thaws, que acenava para uma boa forma estética e motivacional. Agora ele dá uma relaxada, faz umas reflexões rasas, dá uma soltada de mão nos timbres e não parece muito preocupado em exibir vigor. Certo, ele tem crédito, mas é decepcionante ver um cara tão talentoso exibir essa preguicite toda. Vamos aguardar pelas apresentações ao vivo e pela retomada da parceria com Massive Attack, isso sim, coisa de gente grande e pela qual já estamos esperando aqui.

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ARTISTA: Tricky

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.