Resenhas

Vince Staples – RAMONA PARK BROKE MY HEART

Rapper de Long Beach mantém a solidez característica em quinto disco, um honesto epílogo da antologia dedicada ao bairro que moldou suas perspectivas sobre a vida

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Ano: 2022
Selo: Blacksmith Recordings & Motown Records
# Faixas: 16
Estilos: Rap
Duração: 41'
Produção: Leken Taylor, DJ Dahi, DJ Mustard, Frano, Nami e outros

Um dos aspectos mais louváveis de Vince Staples é que ele nunca fez o mesmo disco duas vezes. No ano passado, o rapper da Califórnia lançou um trabalho autointitulado que, pela primeira vez, o trouxe para mais perto do ouvinte, compartilhando experiências pessoais e pensamentos introspectivos. Em tom minimalista no que tange a produção, Vince Staples (2021) foi o disco mais humano desse artista que, apesar de extremamente real e coerente em suas colocações, parece ter tantas barreiras para ser acessado em um nível pessoal (como demonstram suas diversas entrevistas).

Essas fronteiras são consequências diretas do lugar em que ele foi criado e que, por consequência, o criou: Ramona Park, ao norte de Long Beach. Uma das áreas mais perigosas da cidade, o local é parte significativa do imaginário construído na obra de Vince Staples, sendo citado desde seu primeiro disco (“Ramona Park Legend”) até em participações, como em “Wool”, canção do parceiro de longa data Earl Sweatshirt. Lar da Naughty Nasty Gangster Crips, em RAMONA PARK BROKE MY HEART (2022), o local vira protagonista da história. Se no seu disco predecessor Vince Staples soava mais pessoal que nunca, neste ele retorna com seu cinismo titânico para elaborar uma ideia já cantada por Mano Brown há mais de vinte anos: “você pode sair do gueto, mas o gueto nunca sai de você”.

“She said she in love, what’s that?/ Trust, what’s that?/ Us, what’s that?/ I’m married to the gang, don’t be playing games/ Only bringing flowers to the homie’s grave”, entoa Vince em um dos refrãos mais inspirados do projeto, na faixa “ROSE STREET”. Em poucas linhas, o rapper é capaz de traduzir com profundidade as marcas que a violência deixou em sua personalidade desde cedo, explicitando, por exemplo, o fato de não conseguir se conectar romanticamente de maneira genuína, a não ser com seus laços de gangue. A ideia procede em faixas como a destaque “WHEN SPARKS FLY”, na qual Vince personifica sua arma e descreve a paixão entre os dois. “She said, “Baby, keep me closely, love it when you hold me/ Know that I’m a real one, I don’t do no ghostin’/ I know that you love me, you don’t gotta show me/ Off to the world, please, hide me from the police”.

A personificação de sua arma é mero exercício criativo, pois Vince Staples nunca romantiza a cultura de gangues e violência a qual foi exposto desde cedo. Pelo contrário, ele é friamente assertivo sobre o tema: você perde amigos, que são presos ou mortos e a depressão se alastra de maneira epidêmica na comunidade. Uma perspectiva que fica muito clara em faixas como “AYE (FREE THE HOMIES)” e no interlúdio “THE SPIRIT OF MONSTER KODY”.

“Sinto que muito do meu trabalho tem sido uma antologia do meu bairro e do meu passado, e acho que isso [RAMONA PARK BROKE MY HEART] é meio que o fim disso para mim”, disse Staples recentemente à rádio Hot 97 de Nova York. Seguindo essa ideia, Vince faz deste lançamento seu disco mais atrelado às convenções do rap californiano, se alojando na paisagem sonora de seus anos de adolescente.

“DJ QUIK” homenageia o som “Dollaz + Sense” do subestimado rapper-produtor, e ainda conta com o próprio nos scratches. “Bang That” e “Magic” empregam a assinatura de DJ Mustard; a última usa o mesmo sample da estrela de R&B Evelyn “Champagne” King, “The Show Is Over”, que o filho de Quincy Jones, QDIII,, por sua vez, utilizou em “You Know How We Do It”, de Ice Cube, em Lethal Injection (1993). Os interlúdios vêm de reportagens sobre a violência das gangues de Cali nos anos 1990: “Nameless” sampleia diálogos de um episódio 90s de The History Channel’s 20th Century Com Mike Wallace, em que um repórter tenta constranger a Sylvia “Rambo” Nunn, uma veterana membro de gangue, mas em vez disso é respondido com uma avaliação eloquente de todos os fatores que atraem as pessoas para o crime.

Em seus melhores momentos, RAMONA PARK BROKE MY HEART é bem fundamentado nas origens de Vince Staples e bem executado musicalmente, mas a partir da sexta faixa, começa a soar menos coeso em seus motivos e repetitivo em seus temas, de uma maneira na qual a pesquisa precisa sobre o rap californiano não se faz suficiente como sustento. É o caso de “PAPERCUTS” ou “EAST POINT PRAYER”, com uma participação completamente dispensável de Lil Baby, numa faixa em que Vince também não entrega nada demais. O meio do disco é repleto de ganchos tão preguiçosos quanto seus versos e entrega – como em “Lemonade” com participação de Ty Dolla $ign – tendo poucos destaques daqui até a reta final. Resumindo: poderia ser um disco de 10 faixas.

RAMONA PARK BROKE MY HEART está longe de ser o melhor trabalho de Vince Staples, mas nos seus altos e baixos, é um encerramento digno, um epílogo honesto dessa antologia sobre um pequeno canto do mundo que já foi escavado, explorado e documentado pelo rapper como um verdadeiro universo, um que moldou sua perspectiva sobre a vida. A partir daqui, talvez seja hora do artista juntar os cacos desse coração quebrado e construir novos caminhos e narrativas.

(RAMONA PARK BROKE MY HEART em uma faixa: “MAGIC”)

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ARTISTA: Vince Staples