Resenhas

Vince Staples – Vince Staples

Com produção de Kenny Beats, rapper redefine autoimagem enquanto confessa paranoias em seu disco mais minimalista

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Ano: 2021
Selo: Blacksmith Recordings & Motown Records
# Faixas: 10
Estilos: Rap
Duração: 22'
Produção: Kenny Beats

Seja em uma piada com final inesperado em uma entrevista, em seus tuítes com observações perspicazes sobre o mundo ou no plural catálogo de discos, Vince Staples é imprevisível. Summertime ‘06, seu primeiro disco, é uma abordagem moderna e mais obscura do Gangsta Rap, enquanto a sequência Big Fish Theory é, digamos, uma espécie de “PC Rap”, com produção de nomes como Flume e a genial Sophie. FM! Fecha sua trinca inicial explorando as paisagens do Trap contemporâneo.  Agora, três anos após o lançamento de seu último trabalho, Vince Staples solta um álbum autointitulado que dá um “reset” nas expectativas que temos sobre ele.

Esperava um banger como “Señorita”? Rimas efusivas sobre uma batida experimental? Um feat. de Earl Sweatshirt, talvez? Nada disso. O que o novo disco traz dos outros projetos é a força motriz temática de Vince Staples a violência a qual vivenciou desde cedo. A diferença é que aqui ele sacrifica grande parte do entretenimento esperado por um rapper em função de algo maior, que ele desesperadamente precisa – ser ouvido. Essa súplica já foi abordada em outros pontos na carreira do artista, como no curta-metragem Prima Donna (2016) (que ilustra o EP homônimo). O filme termina com o rapper atirando em seu próprio reflexo no espelho, que revela uma multidão que o aplaude com uma empolgação cega.

Ainda que não seja um dos pontos mais altos, “THE SHINING” é uma chave para entender o projeto. Assim como no clássico filme de Stanley Kubrick, Vince Staples se vê envolvido por uma paranoia iminente, fruto de um passado violento que o persegue obsessivamente. “Hangin’ on them corners, same as hangin’ from a ceiling fan / When I see my fans, I’m too paranoid to shake they hands”, ele rima em “SUNDOWN TOWN”. Vince parece passar por um constante estresse pós-traumático e, neste disco, o aborda com uma tristeza que transparece principalmente no delivery das rimas e também na escolha de flows. O rapper parece reconhecer as consequências inescapáveis de um estilo de vida que já não vive mais, mas que sua autoconsciência não o deixa esquecer, nem abafar com dinheiro. “Fill these voids or fill my bank”, Vince manifesta em “ARE YOU WITH THAT?”, logo após lembrar de amigos de infância que já estão mortos.

Se em projetos anteriores Vince apostou em batidas expansivas somadas a uma entrega estrondosa, aqui ele conta com os toques do parceiro de longa data Kenny Beats, que traz uma produção mais laid-back. É claro que os marcantes graves de Kenny estão presentes, mas os beats são, por escolha, mais tímidos, menos extravagantes – o que também surpreende se comparado com o restante do catálogo do produtor camaleônico. A escolha de samples exerce papel fundamental nas camadas, como na crueza de “TAKING TRIPS” em meio à nostalgia de um Soul distorcido, meio trilha sonora de Chrono Trigger, ou na melancólica “TAKE ME HOME”, com participação de Foushée. A canção é, inclusive, uma das poucas em que temos um refrão significativo. No resto do projeto, geralmente eles são genéricos e pouco “ganchudos”, como em “LIL FADE”, por exemplo.

Vince Staples por Vince Staples é um projeto curto e que não pretende ser demais. Os versos são coesos e diretos ao ponto, sem tentativas mirabolantes (“Lil Wayne Carter is how I call my .38 / Kiss your baby in the face if you play with where I stay”), o que também acontece na produção. Talvez não seja exatamente o que alguns fãs gostariam depois de três anos de espera, mas definitivamente redefine a imagem do rapper para seu público. Ele ainda aborda a violência ao crescer como um garoto negro em Long Beach, mas dessa vez foca muito mais nos traumas dessas experiências. No disco mais minimalista de sua carreira, o que Vince busca é falar das neuroses como uma maneira de finalmente se ver livre delas, seja morrer da noite pro dia (“THE SHINING”), ter um diálogo com a pessoa com quem se relaciona (“TAKE ME HOME”) ou não conseguir ir para praia sem uma arma (“TAKING TRIPS”).

(Vince Staples em uma faixa: “LAW OF AVERAGES”)

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ARTISTA: Vince Staples