Resenhas

Vitor Brauer – O Anjo Azul

Última parte da trilogia do compositor mineiro traz retrato psicológico intenso

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Ano: 2017
Selo: Geração Perdida
# Faixas: 16
Estilos: Experimental, Spoken Word, Ambient Music
Duração: 66:26
Nota: 4.0
Produção: Vitor Brauer, Cadu Tenório, João Victor Santana, Hugo Noguchi, Barulhista, Benke Teixeira, Bruno Abdala, Paola Rodrigues, Lise, Kastelijns, Victor Vieira-Branco, Cairê Rego e Sentidor

Machado de Assis, em seu romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, logo insistiu em deixar claro que a pessoa que escrevia era um “defunto autor” e não o contrário. Às vezes, tenho esta impressão do mineiro Vitor Brauer, a de que, na verdade, seu primeiro ofício sempre será a escrita. Vindo de uma tradição de bandas extremamente apegadas ao valor poético de suas letras, das quais Lupe de Lupe seja o maior representante, Vitor tem um domínio com as palavras que beira uma relação íntima. Nesta, ele conhece todos os artifícios e mecanismos que podem lhe ser úteis na hora de expressar seus sentimentos e, em grande parte, o resultado é sempre algo que fica entre a crônica e o poema. Hoje, o compositor completa sua trilogia de discos Spoken Word, um de seus trabalhos mais complexos e densos.

Junto de Nosferatu e M, O Anjo Azul é uma coleção de momentos de reflexões intensas, bem como narrativas duras e caóticas que sintetizam as características mais marcantes da prosa braueriana. Para encerrar esta obra, Vitor convida grandes amigos para participar na produção das faixas, o que fazem com que cada uma delas ganhe uma aura particular para cada sentimento retratado. A desconstrução de batidas e a construção de ambientações são um convite para que ouvinte (ou leitor) possa compreender o peso que as palavras tem. Ou seja, por mais absurdas que algumas letras seja, aqui nada é por acaso. Cada vocábulo e período tem a função de definir precisamente um dos milhares de estados de alma que o compositor já viveu e o exercício de escrever um disco tão introspectivo e pessoal como este é certamente uma tarefa árdua para Vitor.

Memória e Sonho tem a importante incumbência de nos introduzir ao universo de Brauer, e não poderia haver uma forma melhor de entrarmos neste domínio do que com uma reflexão sobre o quão traiçoeira nossas lembranças podem ser. Em Yume, há uma inversão de papéis na qual Hugo Noguchi, baixista da Ventre, compõe uma narrativa psicológica e Vitor produz a ambientação, como se suas palavras não fossem suficientes para mostrar suas intenções. Taylor Swift é um ríspido relato surreal de um encontro do compositor com a cantora, bem como um diálogo que beira ultrapassa os limites da hipocrisia social.

Minha Banda, pt. 2 (Lupe de Lupe) é uma das canções em que Vitor olha para sua própria obra, relembrando dos sentimentos de grandeza e revelando incertezas do período em que tocava com sua ex-banda. Dois é um dos momentos em que a melodia envolve as palavras, abordando uma jornada e uma relação de sentimentos duais e turbulentos. A maior faixa, Aqui Seria o Aeroporto, é também a que contém o maior sentimento nostálgico do disco, relembrando sua história bem como a analisando de forma crítica e dura. Por fim, Kos, produzida por Sentidor, é a epifania final na qual Brauer encerra este complexo processo com uma metáfora de si mesmo: “Um oceano sem fundo, acolhendo todo que foi e que é e que será nesse mundo”.

Com estes três discos completos, Vitor Brauer acrescenta à sua discografia mais um trabalho intenso e sinceridade imensurável – uma honestidade que pode assustador um ouvinte despreparado, mas que certamente chamará sua atenção. Na parte mais grandiosa da trilogia, Vitor traz sua versão do que muitos costumam fazer com 30 anos: rever sua vida. O que acontece é que essa revisão é muito mais envolvente e labiríntica do que antecipamos, se tornando um desafio de o compositor mineiro enfrenta com coragem.

(O Anjo Azul em uma faixa: Taylor Swift)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique