Resenhas

Whitney – Light Upon The Lake

Estreia do duo é um ato de amor musical

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Ano: 2016
Selo: Secretely Canadian
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Folk Rock , Folk Alternativo
Duração: 31:04
Nota: 4.5
Produção: Whitney, Jonathan Rado

Whitney é um duo formado pelo vocalista e baterista Julien Ehrlich e pelo guitarrista Max Kakacek. Ambos tocam/tocaram juntos no grupo Smith Westerns e Ehrlich também tem tempo para integrar as fileiras de Unknown Mortal Orchestra. Em torno do entrosamento dos dois e de seus vôos folksters tardios, ergue-se uma banda mutável, com número de integrantes variando de show pra show, mas mantendo como objetivo principal cutucar a memória Folk afetiva de todos os fãs de gente velhusca como The Band ou recente como Fleet Foxes, propondo amor e carinho auriculares em doses bastante generosas. Este primeiro álbum, Light Upon The Lake é uma sessão de bem querer sonoro, algo que dura pouco mais de meia hora, mas que é comparável, em termos de efeito, a uma boa sessão de acupuntura ou meditação, algo que nos faça entrar em contato com nossos eus interiores ou, simplesmente, nos desconectar da realidade. Não é viagem, é verdade.

E por que é tão bonito? Pela leveza absoluta dos arranjos, que contemplam os chantillys musicais mais bem quistos por aqui: metais e sopros, tudo colocado com conhecimento de causa, com a intenção de fornecer pequenos “blips” e “blops” de lembrança do passado ou prover suspiros pelo futuro, talvez gosto por um presente mais doce, vá saber. A verdade é que as dez canções parecem pequenos gestos de fofura com o próximo que você não conhece. É como abraçar alguém na rua, ou bater na porta do vizinho e perguntar se está tudo bem. A fórmula de Whitney é esperta o bastante para não conter um pingo de nostalgia, abrindo espaço para um eco mínimo de excentricidade alternativa dos anos 1990, talvez lembrando algo do Wilco inicial ou de Pavement, mas nunca com a mão pesada nas guitarras, que servem, em meio ao instrumental em relação aos outros instrumentos, como componentes de uma bem tirada foto de família, comportadas ao lado dos outros integrantes da coletividade. Também há um elemento melancólico de natureza Country, temperando a doçura com certos tons sépia aqui e alhures.

A terceira faixa, Golden Days, é um exemplo clássico do que estou tentando descrever. Os vocais agudos, bem colocados. O instrumental com violões conduzindo a melodia, baixo bem tocado e gorducho, tudo fazendo uma passarela perfeita para o desfile de um solo de guitarra que tem inspiração em George Harrison, ele mesmo, o Beatle quieto, um dos melhores guitarristas de Country de todos os tempos, dos raros que encontraram um timbre belíssimo, pessoal e intransferível. Os sujeitos emulam esta sonoridade. O clima de looping temporal/realidade alternativa permeia a canção, tudo bem bonito e emocionante na medida certa. Outra canções belíssimas fazem parte deste pequeno percurso. A abertura com No Woman é caso de figurar em lista de melhores canções de 2016, sem exagero. E ainda tem a manha de desafiar parâmetros, podendo passar por postulante a esta mesma posição em anos como 1975, 1967 ou 2032, se tudo der certo com o mundo.

Outros exemplos desta sonoridade estão por toda parte. Os pouco mais de dois minutos de The Falls são tempo suficiente para sorrir por dentro e por fora, sem motivo aparente. A estrutura mais declamada, interrompida por guitarras bem postadas e uma levada semi-valsante, adornam belamente Dave’s Song, enquanto a faixa-título, uma quase canção de acampamento, chega com clima de fim de tarde no verão do Hemisfério Norte, nunca tão quente como aqui, mas libertador como só lá pode ser. No Matter Where We Go tem guitarras conversando, uma cara meio rocker, mas doçura transparecendo por todos os lados. On My Own também é menos doce que a média do álbum, soando mais angulosa e esquisita, porém não menos adorável. Red Moon tem menos de dois minutos de duração, sendo um instrumental com piano e metais duelando e clamando por atenção do ouvinte. Polly é canção de amor com levada de piano elétrico vintage, evolução para uma variante branquela, porém gentil e interessante de R&B mais clássico, bem aos moldes do que The Band fazia no início dos anos 1970, algo que, convenhamos, é para bem poucos. O fecho de ouro chega com Follow, o aceno mais generoso ao Country feito em todo o álbum, sem parecer nunca com o que conhecemos como mais banal do estilo.

Aceite este conselho do seu velho amigo: se o seu negócio é música Pop de guitarras adocicadas, com têmpera Folk, gentil, boazinha e com pinta de amor maior/paz mundial, esta estreia de Whitney é a trilha sonora para o seu mundinho. Aproveite, cuide bem destas dez músicas, ofereça-as para quem você ama, ouça-as enquanto anda na cidade, estuda, e, sobretudo, enquanto faz o que você mais gosta. Mostre para os amigos, para seus pais, enfim, seja uma boa pessoa através delas. Creia, este disquinho é um alento para ouvidos embrutecidos. Use-o como o Linus, aquele amigo do Charlie Brown, usa seu paninho.

(Light Upon The Lake em uma faixa: Golden Days)

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BOM PARA QUEM OUVE: The Band, Wilco, Fleet Foxes
ARTISTA: Whitney

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.