Resenhas

Wilco – Ode to Joy

Décimo primeiro álbum de Wilco é uma tentativa de reinvenção do sentido da banda no mundo contemporâneo

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Ano: 2019
Selo: dBpm
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Indie Rock
Duração: 42'
Nota: 4.5
Produção: Jeff Tweedy, Tom Schick

Por mais que Wilco tenha sempre sido fiel à sua assinatura musical, os dois últimos álbuns de sua discografia marcam um desvio de trajetória para o grupo. Isso porque Star Wars (2015) e Schmilco (2016), graças a uma conjunção de elementos – os títulos, as capas, as letras, e assim por diante –, são acentuados pelo sarcasmo. Um sentimento de desamparo e cinismo, aliás, muito comum na música norte-americana desde os meados das eleições que levaram Donald Trump ao poder. No entanto, Ode to Joy faz um esforço para trazer a banda à sua trajetória original, e responde a um novo momento que se anuncia, marcado pelo esgotamento do pessimismo e revitalização da empatia. Mais do que isso: aqui, a relação com o passado, o ato de reinscrever o seu papel no mundo conforme as novas gerações sucedem, se torna o próprio tema da música de Jeff Tweedy e sua banda.

O que não quer dizer que as músicas do novo trabalho sejam “felizes”, no sentido unidimensional do termo. O título do álbum se apropria do nome de um cânone artístico – o clássico poema de Friedrich Schiller – para construir sua própria visão de “ode à felicidade”. Uma na qual há tranquilidade e delicadeza, mas é inevitavelmente trespassada pela melancolia. Em Ode to Joy, Wilco constrói sua ideia de intimidade através da sinestesia. Notas musicais e ruídos misturam-se uns aos outros, como se os instrumentos tivessem sido microfonados muito de perto, fazendo com que detalhes ressoem sob uma lente de aumento. O resultado é algo escultural e denota uma preocupação tão grande com a textura quando com o timbre, como se a banda quisesse apelar à vários sentidos do público, evocando o tato para além da audição.

O LP é uma espécie construção espacial imaginária. Nesse sentido, o álbum configura-se como uma casa abandonada, que nos convida à sua visitação. Cômodos vazios, silêncio, o som dos passos sobre o assoalho de madeira que range, móveis empoeirados e fotos desbotadas são elementos que, como restos de memória que sobreviveram ao tempo, articulam a relação entre intimidade e relacionamentos passados. Em “Before Us”, por exemplo, o narrador é acometido por uma epifania ao olhar para uma gaveta de talheres, e se dá conta de estar sozinho, mas ao mesmo tempo acompanhado daqueles que o precederam.

O mesmo tipo de sentimento aflora em “One and a Half Stars”, na qual ele nos diz “fui deixado a sós com o meu desejo de mudar”. Essa tentativa dolorosa de dialogar com as coisas que já aconteceram, entender como elas ainda influem sobre o nosso presente, é um dos temas centrais desse disco. O clipe de “Everyone Hides”, por exemplo, mostra os músicos brincando de esconde-esconde: roteiro que aponta para uma tentativa de retorno à jovialidade, mas revela, ao mesmo tempo, um tipo de nostalgia associada ao ressentimento, comentando, entre outras coisas, sobre bicicletas alugadas por aplicativo de celular, cinemas que exibem filmes restaurados em película e até mesmo a capa do icônico disco Yankee Hotel Foxtrot (2002). De fato, muito do que observamos com Jeff Tweedy nos últimos cinco anos tem a ver com inventar o seu papel de veterano em um mundo de novidades. Mas se Star Wars e Schmilco comentavam sobre a auto-invenção, Ode to Joy marca o momento em que Wilco começa a praticá-la.

(Ode to Joy em uma música: “Love Is Everywhere (Beware)”)

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ARTISTA: Wilco

Autor:

é músico e escreve sobre arte