Resenhas

Yves Jarvis – Sundry Rock Song Stuck

Entre o Indie, o Folk e flertes com o R&B, canadense explora livremente harmonias, timbres e ruídos que constroem um mundo particular e deslumbrante

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Ano: 2020
Selo: Anti
# Faixas: 10
Estilos: Indie, Folk
Duração: 33'
Produção: Yves Jarvis

Alguns discos têm sua audição marcada pela lírica dos compositores, outros pelo virtuosismo dos instrumentistas. Há aqueles de conceito bem delineado, outros que encantam pelo apuro técnico em suas gravações, e ainda ouvimos com frequência os que se desafiam esteticamente, seja para criar algo novo ou para reproduzir uma sonoridade que já conhecemos. O que todos eles têm em comum é o quanto suas características mais fortes revelam de seus criadores.

No caso de Sundry Rock Song Stuck, o álbum comunica um Yves Jarvis apaixonado não apenas por música, mas pelo som em si. Entre composições e experimentos, o músico canadense explora como timbres, efeitos e harmonias se portam no espaço sonoro com um aparente fascínio. É como se ele estivesse maravilhado pelas possibilidades criativas das gravações e das camadas no software de edição e, assim, nos entregasse uma obra que exala curiosidade e deslumbre.

É o que dá para sentir em uma faixa como “Ambrosia”, que desenvolve alguns poucos timbres eletrônicos não-musicais em uma soma que revela aos poucos seu ritmo e sua harmonia, mesmo sem um arranjo definido em grande parte da sua duração. Comparada a tantas criações experimentais que já ouvimos, há uma aura romântica, quase ingênua, nesta música. No lugar do costumeiro estranhamento, tão intencional em grande parte da arte, a sensação é a de que Yves compartilha a beleza que encontrou em sua criação.

A maneira com que ele constrói sua poesia também carrega essa mesma característica. Em “Emerald”, por exemplo, ele utiliza apenas 12 palavras – metade delas, pedras preciosas – para montar um breve cântico que se apoia na repetição dos sons dessas palavras. Ele se concentra mais nas imagens que elas evocam do que no sentido lógico dos versos, assim como os elementos sonoros ao longo do disco ecoam no ouvinte mais pela beleza natural que possuem do que por seus significados.

Quando Yves aposta no formato canção, entretanto, é quando temos alguns dos momentos mais belos de toda a obra. Com uma lírica sempre bastante aberta à interpretação, cheia de metáforas evocadas por pequenas cenas descritas, o músico sabe encantar com o vocal discreto que quase se perde nas ambientações aéreas. “Notch in Your Belt”, “Semula” e “Victim” são exemplos de como ele dá sequência a uma vertente Indie que passeia entre o Folk e o R&B/Soul, aos moldes de nomes como Matthew E. White, Iron & Wine ou mesmo Michael Kiwanuka.

A principal diferença é que o canadense preserva uma característica mais (ou “mais ainda”) de músico experimental no estúdio, adicionando elementos que julga serem interessantes às faixas com um menor compromisso da letra no primeiro plano. Ainda assim, belezinhas como “Emblem” e “In Every Mountain” trazem letras curiosas que vão te querer buscar por significados.

E talvez seja justamente nos versos da última faixa, “Fact Almighty”, que a alma de Sundry Rock Sung Struck esteja mais evidente. Na progressão com que a poesia se desenrola, em uma linha reta na qual todos os versos são costurados em grande interdependência, Yves fala de querer fazer o coração de alguém cantar após um acontecimento tão grande a ponto de tornar a arte insignificante. Se essa relação parece dicotômica, ele conclui a música – e o disco –: “I depend on you and you on me / From insular growth one will bloom”.

A música, ou o substrato sonoro, é o que liga o artista aos outros, o que o insere na realidade. Ao compor e produzir, Yves constrói um mundo muito particular, cheio da beleza que enxerga até mesmo no que alguém chamaria de mero “ruído”. E ao compartilhar o que é capaz de fazer com esses recursos, do violão a um pequeno som eletrônico, o artista permite que nós também fiquemos deslumbrados com sua criação e participemos de sua perspectiva musical atenta, curiosa e claramente afetiva.

(Sundry Rock Song Struck em uma faixa: “Semula”)

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ARTISTA: Yves Jarvis

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.