Resenhas

Zola Jesus – Okovi

Cantora lida com experiências doloridas na concepção de novo álbum

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Ano: 2017
Selo: Sacred Bones
# Faixas: 11
Estilos: Lo-Fi, Synthpop, Eletrônica
Duração: 39:11
Nota: 3.5
Produção: James Kelly, Nika Danilova, Alex DeGroot

Nika Danilova, a própria Zola Jesus, confessou em entrevista recente que seu novo álbum, Okovi, foi composto em meio a mudanças profundas em sua vida. A primeira, geográfica, trouxe a moça de volta ao seu estado natal, Wisconsin (EUA). Lá, morando numa casa no meio da floresta, ela convive com a vida selvagem, no caso, ursos e aves, que habitam o mesmo espaço em harmonia. Também confessou que, em meio a crises de depressão e ansiedade, viu amigos morrendo de câncer e tentando o suicídio. Desta forma, não convém esperar por um álbum ensolarado, azul, com bolinhas coloridas daqui pra lá. O negócio aqui é pesado, mas não exatamente triste ou depressivo. De alguma forma, Zola/Nika conseguiu extrair uma beleza dolorida e contemplativa disso tudo. O álbum também marca a volta da cantora para o selo Sacred Bones, pelo qual apareceu para o mundo há quase dez anos.

Importante frisar que “contemplativa” não quer dizer “plácida”, pelo contrário. O instrumental tradicional da cantora está presente na forma de torrentes de sintetizadores, vocais espalhados por todo o espectro sonoro, baterias e percussões humanas e eletrônicas e todo um sentimento intenso que transforma programações sintéticas em ruídos duros e rústicos, que podem evocar tempos passados perdidos num espaço que não conhecemos mas intuímos. É uma sensação interessante, que mostra a eficiência do trabalho da moça. O approach sonoro tem origem no Pós-Punk oitentista, passada pela clivagem de bandas como Cocteau Twins e Lush, pra evoluir numa sonoridade que é mais solene e menos delicada, mais bruxa e menos fada, algo que cativa pelo potencial intrigante que exibe. É interessante.

Okovi, que significa “algemas” em ucraniano, traz 11 faixas, que se interligam e completam, com graça e solenidade. É um álbum que funciona mais se ouvido de uma tacada só, com as canções se conectando naturalmente. Separadas, elas perdem a força e o alcance, ainda que sejam bem produzidas e tragam achados interessantes nos arranjos e estrutura. A duração do disco, 39 minutos, proporciona uma imersão maior e mais apropriada ao clima que Zola propõe. Há um clima operístico/clássico em várias passagens, como em Ash To Bone, em termos vocais e em faixas como a bela Witness, cujo arranjo traz teclados emulando sonoridade de cellos e cordas, num clima bonito e meio Game Of Thrones da depressão total.

Outras canções conseguem surpreender por exibir uma pegada eletrônica que se distancia conceitualmente do paradigma Pós-Punk, urbano e psicodélico, adentrando um domínio alternativo e Lo-Fi, caso de Siphon e Remains, que tem um ótimo trabalho de produção na multiplicação dos vocais em meio a uma ambiência Synthpop no estilo “futuro do pretérito”, com timbres delicadamente fora de lugar, especialmente uma bateria eletrônica aerodinâmica, que confere ao vocal de Zola uma impressão de estar correndo contra o tempo num deserto alienígena. Sim, Okovi é altamente visual.

Com inspirações doloridas, traduzidas devidamente em som e clima, Okovi é um belo álbum, cheio de segredos e intensidade, que Zola Jesus não se importa em dividir com o ouvinte. Dependendo do clima e de como vai o seu dia, ouví-lo é uma experiência intessantíssima. Venha conhecer.

(Okovi em uma faixa: Witness)

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ARTISTA: Zola Jesus

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.