Há álbuns que falam sobre se perder – e outros que ensinam a espiralar para fora do caos. Spiral Your Way Out, terceiro trabalho de Zahara Jaime, não se contenta com caminhos lineares. É uma obra que abraça a confusão como método e a reconstrução pessoal como destino, a partir de um indie rock visceral e emocionalmente cru que soa como diário desordenado de uma mente em busca de equilíbrio.
Nascide na cena musical alternativa de Los Angeles, zzzahara nunca se furtou a revelar cicatrizes de sua trajetória. Após a introspecção contida de Tender (seu último álbum, de 2023) e as experimentações de seus outros projetos, como The Simps e U.S. Velvet, seu novo álbum solo é um grito de liberdade – ora ácido, ora vulnerável. Canções como “It Didn’t Mean Nothing” e “Head On A Wheel” sintetizam a dualidade em riffs pulsantes que lembram o jangle pop dos Happy Mondays e o college rock dos Lemonheads, junto de refrãos carregados de frustrações, enquanto versos como “Minha cabeça continua girando, mas eu só quero deixá-la em paz” denunciam um cansaço existencial que conversa diretamente com a estética emo e shoegaze.
Musicalmente, Spiral Your Way Out reflete uma evolução palpável. A produção colaborativa, que contou com nomes como Jorge Elbrecht (Japanese Breakfast) e Sarah Tudzin (boygenius), transformou o som íntimo/caseiro em algo panorâmico. O resultado é um trabalho que transita entre o Lo-Fi e o épico, carregando ecos de Figure 8 (2000), de Elliott Smith, e You Forgot It In People (2003), do Broken Social Scene. Mas é em faixas mais introspectivas, como “Ghosts” e “Bluebird”, que zzzahara mergulha no desconforto da memória e nos encantos da imperfeição, evocando a sinceridade crua de “Say It Like You Mean It” (2002), do The Starting Line.
Entre os acordes ora cortantes, ora introspectivos de Spiral Your Way Out, há um mundo em suspensão, onde a desconexão não é uma fuga, mas uma forma de habitar o presente. Zzzahara cria uma narrativa que transcende os limites do quarto onde começou a compor. Cada riff é uma espiral que nos puxa para dentro de suas inquietações — como existir em um mundo que constantemente desafia identidades? A música aqui não é apenas catarse, mas uma espécie de arqueologia emocional, desenterrando as raízes de uma vida queer em Los Angeles. Em meio a guitarras fuzzy, zzzahara transforma traumas em arte e caos em movimento. É nessa oscilação entre as paredes de guitarras e o calor humano confessional que o álbum encontra sua força – um espaço onde a vulnerabilidade se torna tão expansiva quanto os sons que o moldam.
O lirismo confessional e ácido ao longo do repertório chega a remeter a Bukowski e Joan Didion. A balada “Wish That You Would Notice (Know This)” é uma entrega emocional que carrega a essência do disco — o desejo de ser visto em meio à desconexão. Com uma autoconsciência ‘reverbzada’, zzzahara confronta sua própria narrativa, expondo dores antigas e resgatando seu controle criativo. “Eu só queria que você mudasse, mas você nunca saberá”, canta, em um tom que é tanto de acusação quanto de confissão.
O que torna Spiral Your Way Out tão cativante é sua coragem de não oferecer respostas fáceis. Em vez disso, o álbum se debruça sobre o desconforto de ser e não ser, os conflitos de identidade e as cicatrizes da autodescoberta. A própria forma de criação musical de zzzahara – instintiva e quase terapêutica – reflete essa essência. Cada faixa parece uma sessão de terapia improvisada, uma tentativa de agarrar luzes no escuro.
Com letras que oscilam entre o sarcasmo e a vulnerabilidade, riffs que explodem em catarse e uma produção que amplia o impacto emocional das canções, Spiral Your Way Out é uma singela coletânea de falhas humanas. Ele não busca a perfeição; ao contrário, encontra beleza nos desajustes e na bagunça da vida. Um lembrete de que, às vezes, espiralar para fora é a única forma de sobreviver.
(Spiral Your Way Out em uma faixa: “It Didn’t Mean Nothing”)