Criolo – Cine Joia

O artista paulistano segue a ótima fase na carreira mostrando a pluralidade de seu som, que une o melhor da MPB à sua herança vinda do Hip Hop

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Fotos: Venâncio Filho
Nota: 4.5

O Hip Hop é um estilo musical que combina perfeitamente com a cidade. É urbano porque as suas letras representam situações do cotidiano, as batidas são graves em uma analogia ao nível de decibéis que algúem que vive em uma São Paulo se depara diariamente.

Criolo é também a analogia do brasileiro batalhador que demora pra receber o reconhecimento de seu trabalho. Na luta desde de 1989 na função de MC, lançou seu primeiro álbum somente em 2006 chamado Ainda Há Tempo e fundou no mesmo ano a Rinha dos MC’s, que une em um mesmo espaço batalhas de freestyle, shows semanais, exposições de graffitti e fotografias e que existe até hoje. Mas seria somente em 2011 quando lançaria gratuitamente o Nó Na Orelha que alcançou o mainstream musical brasileiro. Misturando vários estilos nesse álbum, extrapolando o próprio Hip Hop, o artista demonstra uma musicalidade notável, aliando as letras do cotidiano com os ritmos que permeiam a vida do brasileiro – Samba, Hip Hop, Afrobeat, Rock – todos com letras ácidas, sinceras e que exploram os conflitos marcantes em nossa sociedade.

A turnê do artista é acompanhada por uma grande e boa banda, composta por um guitarrista, baterista, baixista, o tecladista e DJ Daniel Ganjaman, percussionista, barítono, trompetista e um excelente saxofonista, além do MC e companheiro DJ Dan Dan, que faz o papel de levantar o público com suas participações que vão além da música, chamando a galera pra interagir com o show. Nada mais justo para um álbum tão produzido e enraizado na instrumentação, conjutamente com batidas bem colocadas.

Com meia hora de atraso, a banda começaria a tocar o início de Mariô antes de Criolo entrar em cena, com uma bata que representa a paz de espírito que anda vivendo o artista. Mostrando-se à vontade em uma casa que o recebeu por quatro vezes, todas com ingressos esgotados, ele dominaria o público ao longo do concerto. Essa primeira música alia as letras do artista com uma batida grave no baixo e um ritmo suingado. Nela, o músico inicia a sua constatação da realidade que só álguem que viveu a vida inteira em uma comunidade mais simples, com a desigualdade andando lado a lado, conhece: “Eu não preciso de óculos pra enxergar/O que acontece ao meu redor/Eles dão o doce pra depois tomar/Hoje vão ter o meu melhor”. Sucrilhos veio logo em seguida, concentrada na percussão e no baixo, com uma flauta dando um toque onírico e o rapper Criolo dizendo ao final “Eu tenho orgulho da minha cor/ Do meu cabelo e do meu nariz/Sou assim e sou feliz /Índio, caboclo, cafuso, criolo! Sou brasileiro!”. Sim, o artista representa o Brasil através de uma roupagem que vai da MPB ao Hip Hop, propagando o conflito e a realidade.

O setlist concentrado em Nó Na Orelha não decepciona ao vivo, mostrando que as variações para se criar no palco o que se escuta no álbum são construtivas e dão uma roupagem ainda mais encorpada para as músicas. Subirusdoistiozin colocaria todos pra dançar e cantar a realidade do artista, que ironicamente também se encaixaria com algum dos presentes no recinto ou “E covarde são quem tem tudo de bom /E fornece o mau, pra favela morrer” não representa aqueles que contribuem pro crescimento do tráfico? Não existe amor em SP é uma poesia que explicita bem o que é viver em uma cidade que cada vez mais se esconde atrás de muros, grades, e o isolamento que faz com que não exista amor: “Os bares estão cheios de almas tão vazias/ A ganância vibra, a vaidade excita”. A superficilidade que esse isolamento causa gera o aumento da importância do exterior em detrimento do interior – a vaidade, aparência acaba importando muito mais do que as outras coisas.

No show, Criolo convidaria Rodrigo Campos para uma participação muito especial, cantando músicas próprias e que combinavam com o clima de música brasileira do show, o que me fez, após o concerto, procurar saber mais sobre o artista. Linha de frente seria o samba com toques de metais que faria todos dançarem o estilo máximo da música nacional. Freguês da Meia-Noite explora um terreno mais viajado, com uma construção de voz que lembra os tempos áureos da música brega, representando a melancolia daqueles que buscam no bar a resposta pra vida. Uma versão autêntica de um estilo que tem como representante Reginaldo Rossi, por exemplo, mas com uma letra bem mais real, uma analogia daquele que vai em busca da droga, do que o tom escraxado de Rossi: “Num quartinho de ilusão/meu cão que não late em vão/ No frio atrito meditei /Dessa vez não serei seu freguês”.

Lion Man é um Hip Hop mais sombrio – “E se fosse pra ter medo/Dessa estrada/Eu não taria tanto tempo/Nessa caminhada” – explorando o caminho de um artista independente que toca um ritmo não comercial e ainda se depara com o próprio mundo ruindo ao seu redor: “Já era/O país tá no abandono/Já era/O planeta tá morrendo”. Grajauex, particularmente a minha favorita, com sua batida alta, com Criolo cantando adoidado e rapidamente, fazia o chão do Cine Joia tremer. A banda se divertindo no palco, com cada um tendo seu momento, – principalmente o saxofonista, que faria uma improviso sensacional no meio da música.

Antes do bis, ele tocou Bogotá, colocando na pista o Afrobeat e transformando o lugar num verdadeiro baile em uma clara referência a Fela Kuti, mas com uma ambientação amazônica com a letra “Vamos embora para Bogotá/Muambar/ Muambei/Vamos cruzar Transamazônica”. Na volta do bis, Criolo não deixaria os fãs mais antigos dele na mão com um sequência com Cerol e Vasilhame. As raízes do hip-hop nunca serão esquecidas pelo artista que se tornou plural com sua musicalidade. Terminado o show, ele discursou sobre a importância de saber viver diante da diversidade e diferenças entre as pessoas, e como respeito é o mais importante no final.

Com um show diverso nos estilos e nas letras, Criolo é tudo aquilo que diz em Sucrilhos, é sim brasileiro, e sua música vai além do Hip Hop, sendo uma mistura desse com a MPB. Vale ressaltar que, quando entrevistado, Criolo é uma pessoa serena e sincera, um verdadeiro contador de histórias. Ao mostrar tanta calma no cotidiano e, ao mesmo tempo, tanta acidez em suas letras, demonstra o porquê da base de seu som ser sempre o Hip Hop, pois o bom MC é aquele que sabe explorar e sentir o cotidiano para transforma-lo em rimas com autenticade. E o Criolo sabe fazer isso como poucos.

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ARTISTA: Criolo
MARCADORES: Cine Joia

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.