Afrofuturismo e a coragem de abraçar o caos

Por: Thaís Regina

Foto: Catalina Xavlena 

O afrofuturismo é como uma proposta de afastamento da realidade para a criação de um mundo em que “o jogo virou”. Assim, tudo nele é hipérbole. Ainda mais quando se assume que, em um sistema estrutural de racismo, a perspectiva negra é per se uma forma surrealista de compreender a vida.

Foto: Leni Sinclair

O movimento é também um convite para uma viagem que, em certos momentos, é perturbadora, mas que, ao mesmo tempo, oferece a possibilidade avassaladora e corajosa de abraçar o caos.

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Aquemini (1998), OutKast

Seguindo a estética afrofuturista de seu antecessor (ATLiens [1996]), Aquemini se assume como um retrato da experiência negra na faixa que dá título ao disco.

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O destaque fica por conta de “SpottieOttieDopaliscious” – seus inesquecíveis instrumentos de sopros serviram como sample em “All Night”, faixa do Lemonade (2016) de Beyoncé.

Pathways to Unknown Worlds (1975), Sun Ra

Este é um disco primordial para entender a contribuição (e a desconstrução) proposta por Sun Ra no Jazz. Por diversão, vale a pena dar o play em qualquer faixa do LP e tentar contar o tempo… É quase impossível.

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Os temas variam entre cosmologia, pseudociências e espiritualidade. Sun Ra não é simples e desafia o ouvido de qualquer um que se debruçar sobre sua obra.

Atomic Bomb (1978), William Onyeabor

Influenciado por Fela Kuti, o artista foi capaz de encontrar uma linguagem única que, em seu caldeirão, mistura Reggae, Disco e R&B norte-americano.

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É o fundamento do que será o Funk nigeriano – tudo sob uma ótica futurista, com intervenções sonoras espaciais, quase lúdicas.

The Shape of Jazz to Come (1959), Ornette Coleman

É preciso dizer que o afrofuturismo nunca dependeu dos sintetizadores para existir. Com esse trabalho, Ornette Coleman mudou o que se entende por Jazz.

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Ele tirou o piano de cena e desistiu das composições pré-determinadas de modo que ele e Don Cherry, seu parceiro musical, ganhavam muito mais espaço para seus solos 100% livres.

Why Black Man Dey Suffer (1971), Fela Kuti

Fora do mundo clássico de Coleman, e ainda muito antes de um Aquemini, longe da Arkestra e contemporâneo a William Onyeabor, emerge uma mente pioneira – tanto para música quanto para os direitos humanos. Senhoras e senhores, eis Fela Kuti.

Foto: ITV:REX

O LP conta somente com duas faixas – cada uma com aproximadamente 15 minutos – recheadas de líricas que oscilam entre inglês e língua falada da Nigéria.

Mothership Connection (1975), Parliament

Extremamente cativante, o álbum de quase 40 minutos é garantia de pistas lotadas.

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Psicodélico e ousado, essa é uma das obras primas de George Clinton, a mente por trás do Parliament e do Funkadelic – que são o mesmo coletivo de músicos, com propostas semelhantes, mas com duas discografias separadas.

Ptah, The El Daoud (1970), Alice Coltrane

A compositora, pianista e harpista começou a brincar no órgão da igreja local ainda pequena e, coincidentemente ou não, dedicou toda a sua pesquisa e obras à busca por espiritualidade.

Foto: Chuck Stewart Photography

Ptah, The El Daoud foi lançado três anos após a morte de seu companheiro e esposo John Coltrane, dois anos após o assassinato de Martin Luther King Jr. e cinco anos depois do assassinato de Malcom X.

Danger (1976), The Lijadu Sisters

Junto com William Oryeabor, a dupla fez muito sucesso durante os anos 1970 e trouxeram aos Estados Unidos intervenções do Pop nas construções de Funk e Afro-beat.

Foto:  Pade Aladi

As duas vozes se harmonizam para cativar e envolver e Danger (o primeiro dos cinco discos que produziram) é um belo exemplo disso. O highlight fica para “Lord Have Mercy”.

Maggot Brain (1971), Funkadelic

Enquanto o Parliament foi seu projeto para livre experimentação do funk, o Funkadelic seguia a tendência do Rock Progressivo. A ideia era desenvolver o Rock Negro:

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um mix de Blues, Funk, Groove e a psicodelia dos anos 1960, marca do trabalho de Clinton. Dois anos antes de surgir o clássico Dark Side of the Moon (1973) do Pink Floyd, Maggot Brain já expandia os níveis de percepção do Rock.

Planet Rock: The Album (1986), Afrika Bambaataa

Dê o play sem dó em Planet Rock: The Album. Espaçonaves, Disco music e a presença de vários MCs: esteticamente falando, esse é um clássico muito curioso.

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Planet Rock chega para dar o tom da popularização do Hip Hop. O afrofuturismo, por vezes, parece uma linha que costura ideias e experimentações musicais para dar espaço a novos movimentos musicais negros, autênticos e destemidos.

Disco Devil (1979), Lee “Scratch” Perry e outros artistas

Lee “Scratch” Perry foi um dos alicerces da construção da estética afrofuturista na Jamaica.

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Influente produtor, seu estúdio (Black Ark) foi palco de muitas experimentações musicais e do surgimento do Dub.

O Futuro Não Demora (2019), BaianaSystem

Donos dos graves mais violentos e acertados da atualidade, a banda se destaca ainda mais com seu novo projeto, extremamente sensível, que abarca também uma análise profunda da Bahia: O Futuro Não Demora.

Foto: Wesley Allen

Ornando muitos ritmos para compor uma ideia complexa do estado – e em um plano maior o Brasil – o álbum é coeso da primeira à última música e pede uma audição completa e aberta.