Foto: Daryan Dornelles

Por: Lucas Borges Teixeira

ANGELA RO RO comenta seu primeiro disco

Revisitando Meus Clássicos é um quadro no qual os próprios músicos destrincham grandes álbuns e pérolas escondidas de sua discografia.

Foto: Murilo Alvesso

Angela Ro Ro teve um começo de carreira diferente do habitual. Enquanto a maioria dos artistas, na juventude, faz de tudo para mostrar seu trabalho e gravar o primeiro disco, a cantora carioca ficou quase 10 anos trilhando o caminho oposto: com composições prontas, recusava convites de gravação e fugia de possíveis shows.

Foto: Bob Wolfenson

Ela só viria a gravar o primeiro disco sete anos depois, em 1979. "Angela Ro Ro" tornou-se um clássico. 40 anos depois, ela reconhece o valor do disco e brinca: “Deveria ter feito antes”. Mas diz que não mudaria nada e que ainda erra e acerta do mesmo jeito.

Foto: Daryan Dornelles

Quando eu tinha 20 anos, em 1970, fiz uma apresentação no Teatro Vereda, em São Paulo. Dois showzinhos com um parceiro meu que morreu cedíssimo, Sérgio Bandeira.  Desde então, tiveram interesse em mim. O público gostava, eu tocava alguma coisa no piano, tocava alguma coisa com a banda do Sergio Bandeira. Mas eu era difícil. Uma preguiça, um pavor de me tornar famosa… Então, eu fui pra Europa.

Aquela coisa da ditadura “Ame-o ou deixe-o”. A gente pintou no paredão em frente ao quartel: “Por amá-lo, o deixarei”. Muita gente foi para os Estados Unidos, Califórnia, algumas pessoas Canadá, Havaí. E algumas outras foram para a Europa.

Eu não era uma fútil, louca, leviana, não, mas não era engajada. A gente tava mais no paz e amor. Catava lixo na praia, sabe?

Em Londres, eu mal cheguei, tinha o pessoal da Tropicália lá, que já tinham ouvido falar de mim. Eu já tinha tido um pinguinho de contato com algumas pessoas da Bahia.  Então, Caetano sabia da minha existência, Gilberto Gil sabia da minha existência.

“Olha, vem cá, a gente tem gravação de Caetano.” O Jards Macalé tava lá fazendo produção, Tutty Moreno tocava bateria. Foi minha entrada num estúdio de gravação. Para tocar uma gaitinha, um pedacinho, de um rockzinho chamado “Nostalgia”.

Eu volto [para o Brasil] em 74. Um dos bares que eu mais frequentava era o 706, na separação de Ipanema com o Leblon (...) Eles abriram as portas para mim. Mas eu dizia: “Não quero trabalhar, não”. Eu queria tudo, menos trabalhar.

[Eu] já compunha. Por exemplo, “Amor, Meu Grande Amor” [faixa 5] é em inglês, eu compus aos 23 anos com quatro partes. Era a “Split Up Song Number One” – a “Canção de Separação Número 1”.

Eu fugia. Fugia do compromisso, fugia de assinar contrato. Fugia de tudo. Era a minha intuição, porque, logo depois de um ano de carreira, joga pedra na Geni de tudo que é jeito. Acho que eu já tinha medo de isso acontecer. [risos]

Em 79, eu tava aqui em Saquarema com um pianinho de madeira e o produtor Paulinho Lima e um amigo meu da época do Arpoador, Luis Felipe Aguiar, diretor da rádio Nacional FM, vieram: “Quantas músicas você tem pronta para tocar agora para a gente? Finge que é um show”. Aí eu toquei. Fui tocando praticamente o primeiro disco todo.

Eles olharam pra minha cara: “Você sabe que você tem compromisso, então, agora dia 11 de maio no Teatro Ipanema, meia noite, depois do show do Beto Guedes?”. Eu falei: “Ah é?”. [risos]  Ele: “Você não é louca de fugir!”. Depois do teatro lotado, Paulinho falou: “Já marquei estúdio pra 11 e 12 de junho”. [risos] “Tá bom, vou nessa, já que não vai dar pra fugir mais.”

Se você for ver, as harmonias são simples. Como eu não sou nenhum gênio no teclado, aquelas harmonias eu levava até no violão mesmo. Eu compus algumas coisas no violão que é difícil de acreditar: “Fogueira” [A Vida É Mesmo Assim, 1984] eu fiz no violão. Eu não sei mais tocar [risos], mas fiz no violão. Agora, o resto é praticamente mais no piano ou na cabeça.

Uma amiga minha me perguntou um dia desses – aliás, muita gente me pergunta volta e meia – se têm endereço, as músicas. Mas não necessariamente. Às vezes eu posso estar envolvida na situação, mas às vezes é a situação de outra pessoa, às vezes é um comentário social.

“Me Acalmo Danando” tem quem jure que eu estou falando para alguém, mas não estou falando para ninguém.  “Amor, Meu Grande Amor” até hoje tem gente que esquece que a letra é da Ana Terra e vem me perguntar o que quer dizer “a vida do seu filho desde o fim até o começo”. Eu falo: “Não sei, pergunta pra Ana Terra”. 

Música não tem endereço, música tem inspiração.

“Agito e Uso”! [risos] Genial. É um rockzinho. A gente frequentava os bares em Ipanema, ali… Não era bem Baixo Leblon, não. Depois é que ficou Baixo Leblon, tipo… Aglomeração? Todo mundo com todo mundo no meio da esquina.

Agora, eu entendo plenamente o bom gosto das pessoas, de realmente reverenciarem essa minha humilde obra desde o início. Mas também tem aquilo: era uma coletânea já feita desde os 20 e poucos, que, quando gravei, praticamente já tinha 30 anos, né, meu querido?

É impressionante. Eu acerto os mesmos acertos, eu erro os mesmos erros. É triste como eu sou igual, tenho uma essência imutável. Não sei se é bom ou ruim, sei que sou assim.