Foto: Leo Martins

Por: Isabela Yu

JOCY DE OLIVEIRA comenta "A Música Século XX de Jocy"

Revisitando Meus Clássicos é um quadro no qual os próprios músicos destrincham grandes álbuns e pérolas escondidas de sua discografia.

Foto: Acervo Folha SP

Com o passar do tempo, o disco A Música Século XX de Jocy (1959) se tornou um tipo de segredo da música brasileira. Mesmo com as diversas releituras sobre o período da Bossa Nova, o trabalho, lançado pela gravadora Copacabana, se manteve esquecido até então.

Foto: Reprodução

“Fazer esse disco foi um evento na minha vida, um momento, que poderia ter sido mais porque eu realmente tinha outras músicas, tinha facilidade para compor, mas várias ficaram guardadas, nunca foram ouvidas ou executadas. Claro que poderia ter continuado, mas passou o momento”, lembra a artista multimídia Jocy de Oliveira.

Foto: Reprodução

Como pianista, era solista na Orquestra Sinfônica Brasileira, além de realizar apresentações nos Estados Unidos e na Europa. Habituada aos estúdios de gravação, Jocy tinha experiência nos concertos para rádio.

Foto: Reprodução

Hoje aos 85 anos, a artista curitibana assume que não pensava no álbum A Música Século XX de Jocy (1959) há anos, e ficou surpresa com o convite dos selos Nada Nada Discos e Litoral Records para relançar o vinil no Brasil e na Alemanha.

Foto: Reprodução

“Foi uma ótima ideia, e até a elaboração da parte gráfica ficou ainda mais primorosa”. Além do registro, os selos soltam ainda este ano o LP Raga na Amazônia, com composições dos anos 1980 e 1990, e planejam mais um relançamento para o ano que vem.

Segundo Paulo Beto, produtor de música eletrônica, e o responsável pelo texto de apresentação, o registro antecipa a Bossa Nova, a Tropicália e até mesmo o movimento Punk. “Ela não traz apenas a ideia de que a música vai além da canção e da busca pela beleza, ela vem dizer que a música também serve para dar um soco no peito do ouvinte. A Música Século XX de Jocy é o primeiro Punk com sotaque brasileiro da história", escreveu sobre as músicas.

Foto: Reprodução

Se os compositores de Bossa Nova se inspiravam no amor, na natureza e em sentimentalismos, Jocy estava mais interessada em falar sobre problemas sociais.

Foto: Leo Martins

As letras críticas, que falam sobre diferentes tipos de violência, e o formato pouco convencional das músicas, aliados a experimentalismos sonoros, resultaram em faixas como “Um Assalto no Morumbi”, que conta com um sussurro falando “pega ladrão”, ou “Sofia Suicidou-se”, que literalmente começa com o som que remete ao barulho do disparo de um revólver.

Foto: Ligia Amadio

Foi um disco muito mal avaliado na época. Ele estava muito além, e não há dúvida de que não foi compreendido. (...) Era uma crítica à sociedade em que nós vivíamos, à desigualdade social, ao descaso com o outro, a todas as pessoas invisíveis. As questões das elites, que não pensam na dor do outro, e vemos que isso não mudou em nada, né?

Foto: Reprodução

Hoje mesmo não tem nada parecido nesse gênero. A gente pensa agora: quem é essa inteligência crítica da música popular? Assim como na música erudita, é a mesma coisa, ela é masculina. E existem certos preconceitos contra o gênero, e quanto a faixa etária porque eu era praticamente uma adolescenente, e você sabe, não dá pra acreditar em uma adolescente.

Foto: Reprodução

Eu não conseguiria, de jeito nenhum, administrar as duas carreiras totalmente diferentes. (...) Eu não era cantora, mas naquela época a coisa também era não ter voz mesmo. Nesse sentido foi uma pena, se tivesse uma Elis Regina talvez fosse outra coisa, acho que ela poderia ter feito por causa do seu senso rítmico, ela tinha uma capacidade além de muitas cantoras.

Foto: Reprodução

Quem fez a produção foi um grande músico, o Altamiro Carrilho, e no disco original não tem o nome dos músicos. (...) Eu toquei violão, e tinha um rapaz que era um bom violonista. O próprio Altamiro tocou e eu não sei o nome dos outros, infelizmente.

Eu lancei uma ópera cinemática (Liquid Voices: A História de Mathilda Segalescu) antes da pandemia. Ela foi premiada em vários festivais na Europa, Varsóvia, Israel, Estados Unidos, Chile, e depois seria lançada nos cinemas aqui. Fiz o lançamento online e funcionou muito bem – está disponível nas plataformas de streaming.

Estou com outra peça bem adiantada, praticamente finalizada para começar a ensaiar e pensar na produção. Ela também seria uma ópera cinemática.

Mas não é só fazer, o problema é captação de recursos, que estão cada vez mais difíceis nesse país porque não existe interesse nenhum pela cultura. Muito pelo contrário, a cultura é marginalizada, esquecida. Então vamos ver o que acontece.