Foto: Leonardo Aversa

Por: Lucas Borges Teixeira

MARTINHO DA VILA comenta "Canta Canta, Minha Gente"

Revisitando Meus Clássicos é um quadro no qual os próprios músicos destrincham grandes álbuns e pérolas escondidas de sua discografia.

Foto: Ricardo Borges

Martinho da Vila já era um dos maiores sambistas do país quando decidiu gravar um álbum mais conceitual, que sintetizasse o Brasil em seus mais diferentes espectros culturais. Assim surgiu seu mais aclamado álbum.

Foto: Leonardo Aversa

Aos 82 anos, o fluminense de Duas Barras criado em Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro, relembra sua principal obra, dá uma aula de história do samba e denuncia como a questão racial – também abordada no disco – ainda tem muito a avançar no Brasil.

Foto: Lucas Lima

Eu já tinha bastante sucesso e resolvi gravar um álbum. Naquela época, os artistas mais populares não gravavam esses álbuns mais… Como dizer? Rebuscados.

O pessoal da gravadora chiou um pouco porque eu era um grande vendedor de discos e esses álbuns vendiam menos, sabe? Não vendiam tanto. Mas ele foi recordista de venda, foi muito bom.

Eu não via essa diferença. Ele saiu em uma edição muito pequena e tiveram que correr, parar a fábrica, para produzir o disco. Foi muito legal.

Quando faço um trabalho artístico, eu não penso no resultado, não, sabe? Eu faço simplesmente como quem está fazendo arte. Faço aquilo que vem na cabeça, aquilo que estou gostando de fazer.

Disritmia, essa palavra, tem várias interpretações da forma que eu botei. Uma música que tem vários ingredientes, como essa, a tendência é fazer sucesso porque um gosta dela por um motivo, outros por outro e vai. 

Uma música faz sucesso, na minha opinião, dependendo do público ouvir e se sentir dentro dela, [quando] todo mundo tem vontade de falar aquilo.

Música que fala de amor, romântica, é o assunto do mundo em termos de poesia, musicais. Em termos gerais, né? O amor sempre esteve em evidência. “Dente Por Dente” fez bastante sucesso.

[Em 1974,] o tema-enredo da Vila Isabel era esse, o índio, e eu concorri com o samba-enredo, mas ele não foi para a avenida. Depois de muito tempo é que eles informaram que foi uma ação da Censura. E daí coloquei [“Tribo dos Carajás (Aruanã Açu)”] no disco e foi um grande sucesso.

Teve um ano, um dos anos anteriores, que a Vila fez um desfile muito ruim. A colocação não foi boa, o pessoal tava bem desanimado, sabe? Aí eu resolvi fazer um samba de quadra para animar ensaio, para animar o pessoal. “Renascer das Cinzas”. E aconteceu um fato: quando cantei o samba na quadra, as pessoas, ao invés de sorrir, choravam. [risos] De emoção. 

Foi incrível, foi incrível.

Em todos os discos eu vinha trazendo a memória musical brasileira ali viva. Aí eu fiz uma mudança na “Malandrinha”, coloquei ela ritmada, quase como Bossa Nova, e também fez um sucesso enorme.

"Pelo Telefone”, considerado o primeiro samba gravado – embora tivesse outras gravações anteriores – quando eu lancei, todo mundo falou: “Martinho fez uma música diferente agora”. Eu tinha que falar: “Não! Essa música não é minha, essa música é do Donga!”. [risos]

Eu fiz essa música [“Calango Vascaíno”] quando o Vasco tava cansado de derrota. [risos] O que eu trocaria é só uma palavra. Eu botei “minha única alegria” [é ver o Vasco jogar], o que não é verdade. Podia ter posto “uma grande alegria”, era mais correto.

Eu quis fazer um registro da umbanda do Brasil, que é a religião brasileira de verdade.  Foi criada no Brasil, embora seja de origem angolana. E eu fiz como um registro… Menino, [“Festa de Umbanda”] virou um sucesso e eu tinha que cantar. [risos]

Eu não faço um disco em que eu junto músicas e vejo se tem alguma que faz sucesso, boto ali, não. Meus discos são conceituais, têm um conceito. O desse é esse que você falou aí [o samba, o carnaval, o índio, o futebol, a umbanda, esse cotidiano bem brasileiro]. Cantar é uma filosofia de vida. Quem canta seus males espanta, tá lá no samba. Esse disco me deu muitas alegrias.