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Por: Lucas Borges Teixeira

ODAIR JOSÉ comenta "O Filho de José e Maria"

Revisitando Meus Clássicos é um quadro no qual os próprios músicos destrincham grandes álbuns e pérolas escondidas de sua discografia.

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Em "O Filho de José e Maria", as referências à Bíblia, ao uso de drogas e à homossexualidade renderam a Odair José rejeição por parte dos fãs, censura de quase metade do projeto, necessidade de embaralhar as músicas e uma possível excomunhão da Igreja Católica. Hoje, é tranquilo dizer: o disco é um clássico.

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Quatro décadas depois, Odair vê o álbum como um “divisor de águas” em sua “existência artística” e explica por que o filho de José e Maria pode ser Cristo, pode ser ele, o leitor, o ouvinte ou qualquer um. “Todas pessoas normais.”

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Eu sempre tive a minha fé, mas sempre fui contra essa simplificação de Deus. Acho que Deus é uma coisa da natureza, do universo, uma coisa muito maior.

Me veio a ideia de escrever uma história em que as músicas, seguindo uma à outra, fossem contando a trajetória de um personagem.

Do início. 

Ele vai nascer aqui, vai viver, vai ter seus momentos, altos e baixos, como todo ser humano tem. Me veio a ideia, então, de escrever como se fosse o filho de José e Maria.

Esse projeto, na verdade, teria de 18 para 20 músicas. Ele seria um álbum duplo e não foi porque a censura, de cara, me proibiu oito músicas. 

Eu era um cara que a censura me olhava muito de perto, minhas músicas, não podia gravar disco sem mandar para eles.

Eu já tinha o projeto todo, era como um musical. Ia ser levado ao teatro, tinha que ter estrutura teatral. Mas isso não foi possível por vários motivos. Não financeiros, mas porque houve muita gente batendo no disco. O disco, antes de ser lançado, já tinha apanhado da censura.

Quando eu começo a gravar o disco, tenho a informação de que oito músicas não tinham sido liberadas. Quando se começou a falar do que o Odair José estava fazendo, começou já o pessoal a ser contra. As pessoas nem ouviram o disco e eram contra.

Eu poderia ter colocado aquelas dez músicas na ordem. A censura proibiu oito, mas não proibiu as principais, então a espinha dorsal do projeto eu tinha. Poderia ter colocado na ordem. Mas eu mesmo, tentando passar um pano diante de tanta coisa que eu ouvia, desmontei a coisa para assustar menos.

“Ah, mas não podia!” Não podia na sua opinião, na minha podia.

["Fora da Realidade"] é [sobre o] absurdo. Olha que história louca! A mulher tá lá, chega um anjo e fala “Olha, você vai ser mãe porque um anjo pousou sobre você e você engravidou”. [...] Isso é um absurdo! Se você for analisar, é um absurdo biológico, um absurdo genético. “Você está duvidando de Deus?” Não, estou achando que é um absurdo. Ela fala sobre essa dúvida que existia na época e existe até hoje.

Voltando àquela conversa que as pessoas começaram a meter muito pau no disco antes dele sair. Pensei: vou jogar umas mais pra frente aqui que são mais comerciais, que são mais Tim Maia, mais Barry White.

Então coloquei “Nunca Mais” e “Não Me Venda Grilos”, aquela coisa bem carioca, bem zona sul. Os caras vão ouvir e dizer: não, ele não é tão louco assim.

["Que Loucura"] também é pra cima. 

“Essa foi a minha história; Mas bem que podia ser a de vocês.”

Inclusive, a ideia era que terminava num balé, com as pessoas todas dançando, as bailarinas tirando a roupa, ficando só de roupas mais íntimas, colocando tudo para fora. Era um musical.

[O disco] continua sendo atual. Eu acho que hoje ele ainda não consegue andar por si só por conta dessa hipocrisia e dessa falsa moral que se mantêm na grande sociedade. Eles não aceitam isso aí. Se você mostrar, eles vão torcer a cara.  Quem aceita isso são pessoas mais jovens, de cabeça melhor. Então ele continua sendo um problema.

O Filho de José e Maria é uma crônica atrás da outra e é uma crônica geral. Por isso falei que a minha vida musical – e até como pessoa – não teria razão nenhuma de ser se não tivesse esse disco. 

E as pessoas que conhecem o Odair José sem conhecer esse disco não conhecem o verdadeiro Odair José.