Foto: José Holanda

Por: Lucas Borges Teixeira

CHICO CÉSAR comenta seu disco "Aos Vivos"

Revisitando Meus Clássicos é um quadro no qual os próprios músicos destrincham grandes álbuns e pérolas escondidas de sua discografia.

Foto: Mara Rubia

Prestes a completar 30 anos de idade, Chico César queria começar a registrar suas dezenas de músicas no início da década de 1990. Só restava um problema: dinheiro. Sem auxílio de uma grande gravadora, Chico não tinha os recursos para cobrir a gravação de um álbum bem produzido à época. Veio, então, a ousada ideia de estrear com um disco ao vivo.

Foto: José Holanda

Aos Vivos foi gravado em um pequeno teatro na Grande São Paulo em 1994 e lançado no ano seguinte. O trabalho, voz e violão, alçou Chico à fama nacional e emplacou alguns de seus principais hits até hoje. Ao Monkeybuzz, o músico conta a história por trás das músicas e ajuda a decifrar seu repertório:

Foto: José Holanda

Eu fiz um disco ao vivo, porque não tinha dinheiro para fazer um disco de estúdio. Eu tava querendo fazer um disco de estúdio. “Como é que eu vou vestir essas músicas?” Aí, na verdade, eu não tinha que vestir as músicas, eu tinha que despir as músicas. Era pensar como aquelas músicas funcionariam voz e violão, como eu ia ter o ritmo percutido, os contrapontos, as linhas de baixos e resolver ao vivo.

Eu gravei umas 20 músicas nesses três shows. Então eu acabei escolhendo aquelas que, no meu entender, resultavam melhor na voz e violão e que também representavam algo que eu intuía que eram os dois lados fortes em mim.

Um, a coisa do ritmo e das canções guerreiras, tipo “Mama África”, que é uma espécie de alegria guerreira que vem na minha música. É uma música de combate, tem ritmo, né? E tem alegria, tem vivacidade, um gosto pela vida. Não são músicas desgostosas.

E o outro lado forte era as minhas canções de amor. Não é à toa que as canções que se destacam nesse disco, a princípio, são “Mama África” e “À Primeira Vista”, canções que até hoje fazem parte do meu repertório e da minha vida.

“Beradêro” vem de beira, beirada. É uma canção de autoria minha, um aboio – aboio é um estilo que são aqueles cantos que os vaqueiros usam para tanger a boiada.

Eu frequentando ali a casa da Tata Fernandes, uma das Orquídeas [do Brasil], sempre encontrava o Itamar. Depois de muito tempo já que a gente se conhecia, ele chegou lá, botou a mão no bolso: “Ó, trouxe pra você”. Fiquei com aquela letra [de “Dúvida Cruel”] ali uns dias. No nosso encontro seguinte, eu mostrei pra ele.

Umas 5h da manhã, 5h30. Andei pela praia e, caminhando, um pouco naquela tristeza daquele amor que não acontecia, vem esse negócio de “Tudo rejeita e quer”. Aí, eu escrevi a letra [de “A Prosa Impúrpura Do Caicó”] na areia da praia, a letra todinha – “Ah, Caicó arcaico…” – e continuei andando.

Andei mais, sei lá, alguns quilômetros pra frente, depois voltei. Quando voltei, a letra continuava lá. A água não tinha levado na areia. Fiquei olhando pra letra, comecei a cantarolar. Voltei pra casa cantarolando baixinho. 

Ela é uma canção de amor, acho que trata do amor de uma pessoa em deslocamento.

Quando faço uma versão de “Paraíba”, é uma versão jazzística, com harmonização própria, não é saudosista. Ela é, vamos dizer, progressista, como eu acho que Luiz Gonzaga era, muito sofisticado. Muitas vezes as pessoas vão buscar o sentimento do novo, do transgressor, lá fora. 

Eu, cara, vou buscar muito perto.

Eu acredito muito nessa força que a arte tem de transcendência. Por isso que, na canção “Templo”, eu falo que “a minha tribo me perdeu quando entrei no templo da paixão”. Esse templo tanto pode ser o templo [lugar] de você conhecer uma pessoa como você mergulhar com paixão em algo que você acredita mesmo, perdidamente.

Olha, é como se eu tivesse uma fé crítica na humanidade. Sou um otimista incorrigível, tenho essa fé crítica de que as coisas melhoram, são cíclicas. Então, a gente tá chegando perto do ponto mais ruim da curva, vamos dizer assim, e depois tudo melhora.

Porque é assim. A gente já sabe que é uma roda. É que agora a roda parece uma montanha-russa indo cada vez mais pra baixo e mais perigosamente. [risos]