RISCO: Quando Amor Pelo Vinil E Amizade Se Encontram

Selo paulistano mostra a pluralidade da música da cidade através dos bolachões

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Fotos: Letícia Moreira/ Revista Brasileiros

São três os pilares que servem como fundação para o novato selo paulistano RISCO ter crescido tanto em tão pouco tempo: paixão pelo vinil, esforço coletivo e amizade. A receita é simples e o resultado, ótimo, seja para os músicos envolvidos no projeto ou para o público que ganha um material de grande qualidade desses artistas, todos independentes. A proposta inicial do grupo (que hoje conta com oito bandas) era viabilizar e promover os bolachões de seus músicos, facilitar a prensagem e divulgação dessas obras em vinil, mídia que tem voltado com força total nos últimos anos.

Desde a derrocada do formato, com advento da música digital, no fim dos anos 80, os discos de vinil vem lutando para reconquistar seu espaço entre os amantes de música. Veja bem, ele nunca sumiu, mas perdeu consideravelmente seu poder de difusão quando o CD entrou em cena, afinal, era a “mídia do futuro”. Se hoje em disquinho plástico perdeu seu apelo (quando o MP3 ou mesmo os serviços de streaming assumiram esse papel de digitalizar a música), o vinil ganhou o status de mídia definitiva, se tornou sinônimo de fetiche ao se ouvir música nas velhas vitrolas.

Não vamos nos aprofundar nesses méritos, mas te garanto que ouvir obras em vinil é uma experiência completamente diferente da de se ouvir as mesmas coisas em seu iPod, computador ou qualquer que seja o formato digital que você utilize. Não só todo o ritual que envolve o ato de se colocar um disco na vitrola, mas a maior atenção necessária à audição é um dos pontos que torna o formato tão gostoso, tão contemplativo, e, certamente, mais apaixonante que os meios digitais – isso é algo que Guilherme Giraldi, uma das cabeças pensantes por trás do selo, também concorda. Mas deixo essa comparação (e constatação) para você fazer, talvez, com um disco de um dos artistas do catálogo do selo.

Voltando agora ao RISCO, sabemos que a paixão pelo vinil é um dos pilares sob o qual o selo se constrói. Sabemos também da crescente demanda por discos neste formato em nosso país, além da maior oferta de música boa por aqui. Ligar esses pontos possibilita a união desses dois mundos complementares, da música feita hoje no Brasil e de um público que quer consumi-la nos saudosos bolachões. E nada melhor que juntar uma oportunidade mercadológica com um amor genuíno, não é? É aí que a união de Giraldi (também músico de uma das bandas do selo) e Gui Jesus Toledo (produtor de grande parte dos artistas e parceiro no comando do RISCO) entra em cena, fomentando a produção dos vinis e criando essa força gravitacional que atraiu tanta gente bacana.

RISCO

É aí também que o segundo e terceiro pontos sob qual o tripé da RISCO se estabelecem. Esforço coletivo e amizade se confundem em prol dessa oportunidade de lançar discos de bandas novatas em vinil. O que surgiu com amigos dividindo o mesmo estúdio (Canoa, localizado no bairro de Perdizes, em São Paulo), os mesmos palcos e mesmo as mesmas faculdades e lugares fora do mundo musical, acabou por se tornar uma coligação de forças em torno de uma meta em comum. Muita gente ali já se conhecia antes mesmo de começar a gravar juntas ou de estar no mesmo selo, o que facilitou, e muito, a maior troca de figurinhas entre esses músicos, assim como essa pegada colaborativa entre eles.

Como Guilherme me explicou em uma conversa por telefone, essa proximidade maior dos artistas nasceu em torno do Estúdio Canoas, originalmente guiado somente por Toledo. O que era um projeto de Gui, se tornou um projeto da dupla e conforme a ambição crescia, o profissionalismo do duo foi aumentando também. Hoje, o duo cuida da produção de oito nomes do cenário paulista e tenta somar a eles o peso de se estar em um coletivo, de lançar seus discos em vinil e de se estar sob a tutela de um selo, aumentando assim seu poder difusão nas mais diversas camadas.

Regido pela dupla, o selo se tornou um celeiro para novos artistas da cena paulistana que vem chamando a atenção de muita gente. Nomes como O Terno, Charlie e os Marretas, Memórias De Um Caramujo e Grand Bazaar estão todos nesse ótimo catálogo, que ainda conta com Os Mojo Workers, Noite Torta, Luiza Lian e Caio Falcão e um Bando. O que essas bandas tem em comum? Além da amizade, alguns integrantes compartilhados e do amor pelo vinil, eu diria que mais nada. Não há quase nenhuma semelhança musical entre elas. Cada banda tem uma proposta, não só estilística, mas musicalmente, muito díspar.

E é essa heterogeneidade de catálogo que torna também esse ciclo de amizades tão interessante. Divergente sem se tornar dissonante, essa coleção de nomes é também retrato da pluralidade sonora que toma conta da atual cena paulista. Do Funk ao Rock Clássico, da MPB à Música dos Balcãs, tudo se encontra em uma cidade tão cosmopolita quanto a capital paulista e, segundo Giraldi, esse “talvez seja o reflexo de uma geração que cresceu em contato com a Internet”.

O que faz sentido ao observar que, por exemplo, Gabriel Milliet toca em bandas tão diferentes quanto Memórias de um Caramujo e Grand Bazaar, ou ainda que o duo André Vac e Gabriel Basile faz parte das formações d’Os Marretas, Memórias e Grand Bazaar. Essa pluralidade, quase esquizofrênica, é também um dos pontos que mais define a sonoridade do grupo. Essa geração “com síndrome de DDA” que cresceu na rede ouve de todo um pouco e toca também de tudo um pouco, o que cria uma corrente de experiências muito interessante entre esses artistas.

Outro destaque dessa pluralidade sonora do RISCO é conseguir embarcar o som “Blues’n’Roll” de Os Mojo Workers, som meio MPB, meio Rock de Noite Torta, a MPB de Luiza Lian (vocalista de Noite Torta) e o Samba de Caio Falcão e um Bando. E colocar tudo isso no mesmo balaio é uma coisa que parece nascer muito naturalmente dentro do selo.

Para o futuro, Guilherme e Gui Jesus ainda estudam quais serão os próximos passos do selo. A única certeza é a de continuar disseminando música boa por meio dos nossos queridos bolachões.

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Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts