O Retorno De The Good, The Bad & The Queen

Novo álbum promete volta de mais um grupo de Damon Albarn em 2016

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Já pensou você viver em Londres? Sim, tenho certeza que você já se viu passeando por diferentes lugares da capital inglesa, mas, tente se imaginar como uma pessoa que nasceu lá. O antigo centro nervoso, cultural e financeiro do Império Britânico, o outrora centro do mundo, a capital da Velha Ilha, a jóia da coroa. Não custa lembrar, Londres é uma cidade de muitas pessoas, de diferentes etnias, emblemática de muita coisa, mas que já passou por poucas e boas em muitos anos de história. Agora pense, se nós vivemos em cidades brasileiras com pouco mais de quatrocentos anos de existência, pense num lugar que tem quase três vezes mais anos de idade. E por que um texto que faz menção ao projeto paralelo de Damon Albarn, The Good, The Bad & The Queen, começa falando de Londres nesse blá blá blá sem graça? Porque a banda, o disco e a história deste supergrupo alternativo estão diretamente ligados às pessoas que vivem na cidade, além de sua história e herança. É, pois é.

Se pensarmos um pouco, veremos que não há muita novidade nisso. Estamos em 2006 e temos a figura central de Damon Albarn, ainda naquela onda pós-milênio de liberdade fora de sua banda natal, Blur, bastante feliz por poder tocar mais que o Rock noventista que cravou seu nome na história da música Pop como um dos que ajudaram a criar o Britpop. Albarn, também sabemos, estava envolvido com seu outro projeto paralelo, Gorillaz, gravando e pensando nas canções para o segundo álbum do grupo, Demon Days. Após uma viagem para a Nigéria, em que foi tocar com músicos africanos, Damon se reencontrou com o guitarrista de The Verve, Simon Tong, que colaborara também no trabalho de Gorillaz. Pensaram o quanto seria legal se pudessem tocar em novo projeto. A ideia ganhou força quando o nome de Tony Allen, mitológico baterista, veio a bordo. Allen, que havia trabalhado com Damon na canção Music Is My Radar, de Blur, achou interessante a perspectiva de trabalhar num projeto como aquele, ainda mais por estar em fase final de gravação de seu álbum, com produção de Danger Mouse, o sujeito que pilotava as sessões do trabalho de seu Gorillaz. Perdeu o fio da meada? Não?

O fecho do projeto veio com a chegada do baixo de Paul Simonon, ex-The Clash, então aposentado da música há mais de uma década. Simonon gostou da ideia central do grupo, que era a de fazer um disco sobre … Londres, tema recorrente na vida de Albarn. Não custa lembrar que Blur gravou uma trilogia de álbuns nos anos 1990 abordando a vida na capital inglesa, então sob a perspectiva do otimismo por conta do fim da experiência de Margareth Thatcher no poder. A ideia de uma década de 1990 próspera e mais igual, idealizada no subtexto dos álbuns, Modern Life Is Rubbish (1992), Parklife (1994) e The Great Escape (1995) só veio com a vitória do trabalhista Tony Blair, em 1997. Sendo assim, com vários percalços no caminho, a tensão da chegada do milênio e os rumos que a vida tomou nos primeiros anos do novo século, levaram a alegria musical colorida embora e todos surgiram meio sem rumo, numa perspectiva cinzenta e confusa. Além de Albarn, discretamente, Simonon também detinha autoridade para cronificar Londres, sendo ele uma parte decisiva no processo criativo que levou The Clash a colocar a cidade no mapa da cultura pop mundial com London Calling, clássico absoluto do Rock latu sensu. Estava desenhado o conceito do novo grupo. Seu nome? The Good, The Bad & The Queen, alusão ao filme do diretor italiano Sergio Leone, lançado em 1966. A ideia era pensar num nome que abrigasse a todos os viventes na cidade, bons, maus e a Raínha. Faz sentido.

O disco veio no início de 2007, lançado com grande pompa e como se fosse uma espécie de “Gorillaz do lado negro”, definição bem fraca. O que Damon e seus parceiros oferecem no álbum homônimo é exatamente esta perspectiva crônica sobre a vida em Londres, usando a cidade como uma espécie de termômetro do mundo ocidental. O senso de ironia e escapismo de Gorillaz passa longe do cenário erguido aqui. Porém, há, sim, algo da sonoridade que Albarn conseguiu ao longo do tempo com sua banda desenhada. O que ouvimos do álbum vem leve, com uma influência de música eletrônica muito sutil, bastante moderno e arrojado. Essa perspectiva se amolda naturalmente às canções e seus arranjos, não parecendo uma obrigatoriedade estética. Tanto que há espaço de destaque para uma elegante canção voz/violão logo na abertura, com History Song. Ao longo do álbum esta impressão natural/moderna se estabelecer sem que percebamos e rende grandes frutos. Herculean é uma balada agridoce com pianos glam e ritmo rápido/quebrado, com algum tom épico em sua estrutura. Behind The Sun é trilha sonora de duelo ao por do sol, com viés pianístico onipresente e vocais derramados. A Soldier’s Tale tem cordas, teclados, instrumentos estranhos e aura Britpop que a leva com conforto para dez anos no passado. Há espaço também para drama, exemplo de Kingdom Of Doom, que tem narrativa no futuro, quando o mundo estará em guerra, o Rio Tâmisa – que corta Londres – terá transbordado e inundado grande parte da cidade, levando seus habitantes a viver uma realidade bem diferente.

O álbum estreou no segundo lugar da parada inglesa e no 49º da Billboard, nos Estados Unidos, mesmo com pouca divulgação nas rádios e TV. Apesar disso, a crítica especializada emitiu comentários favoráveis em vários veículos. Tong e Simonon mantiveram-se próximos a Albarn, colaborando no trabalho seguinte que o músico lançou, no caso, o álbum Plastic Beach, terceiro trabalho de Gorillaz, em novembro de 2011. No mesmo ano, por conta das celebrações do 40º aniversário do Greenpeace, The Good, The Bad & The Queen tocar ao vivo, mas tal fato foi deixado em segundo plano, uma vez que as atenções estavam voltadas para trabalhos com Gorillaz e com a retomada na carreira de Blur. Há pouco tempo, Albarn informou discretamente a todos que um novo álbum com Simonon, Allen e Tong estava pronto.

Se o primeiro trabalho do supergrupo teve Londres como pano de fundo, é natural que o tema seja novamente abordado neste segundo álbum. Especulações não faltam e nós já estamos ansiosos com a ideia de ouvir essa mutação séria, temática e conceitual de Damon Albarn, um cara que não consegue, simplesmente, ser apenas um cantor à frente de uma banda de Rock. Sorte nossa.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.