Entrevista – Lucas Arruda

Conversamos com o jovem músico que tem feito muito sucesso na Europa, no Japão, nos EUA e agora quer conquistar também seu país de origem,tendo arrancado elogios de nomes como Ed Motta

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O mundo começa a ouvir o trabalho do multiinstrumentista capixaba Lucas Arruda. Imaginamos que talvez você ainda não o conheça e, por isso, já avisamos que Arruda é uma das apostas para a música brasileira em 2013. Seu primeiro disco, Sambadi, foi lançado no exterior e a comunidade de maníacos por “música boa dos anos 70 feita hoje” já está traficando a informação de que Lucas veio para ficar. Ed Motta engrossa o coro de admiradores do som límpido, brasileiro e, ao mesmo tempo, internacional que o jovem conseguiu colocar no mapa. Monkeybuzz, sempre atento ao que acontece antes que todo mundo fale, foi bater um papo com Lucas Arruda.

Dê o play em Sambadi enquanto lê nossa conversa com o músico.

Monkeybuzz: De onde vem o nome Sambadi?

Lucas Arruda: O nome surgiu quando escrevi a letra da faixa, que levou o nome Sambadi também. Percebi que quando cantava as sílabas, elas se juntavam de uma forma que fazia com que o “Sambadi” aparecesse meio escondido ali. Achei interessante, já que é uma palavra que não tem um sentido literal e ao mesmo tempo transmite muito bem o espírito do disco. Decidi primeiro batizar a música de Sambadi e depois percebi que não encontraria nome melhor para o álbum.

Mb: Você está sendo apontado por gente como Ed Motta como a grande esperança da música brasileira pra este 2013. Como você vê isso?

Lucas: Eu fico muito feliz com esse reconhecimento, principalmente vindo de um cara que eu admiro tanto. O Ed me influencia muito musicalmente e artisticamente. Meu single foi lançado em janeiro na França e desde então vem sido super falado na Europa, Japão e EUA. Por aqui não tinha rolado muita coisa. Depois que ele me citou em entrevistas foi instantânea a reação das pessoas aqui no Brasil em relação ao trabalho. Eu fiquei muito feliz! Musicalmente falando, eu acho que o que estou fazendo é, basicamente, a continuação de uma estética de linguagem musical que existe no Brasil desde os anos 60 e 70 mas, que de repente ficou meio esquecida por aqui. Quase todos os artistas da minha idade tem um discurso mais ligado ao tropicalismo, o texto e a poesia e eu sigo um caminho diferente, um pouco mais elétrico, instrumental com os vocalises. No Sambadi as minhas influências caminham igualitariamente lado a lado. Meu disco é assumidamente influenciado pela música brasileira e pela música negra norte americana. Essa é a linguagem de música brasileira que mais gosto e o que estou fazendo é traduzir este formato para a minha forma de produzir. Claro que, eventualmente, aparecem alguns clichês naturais de um determinado estilo ou outro,mas tudo que eu não quero é que minha música soe nacionalista ou regionalista. Eu quero é dialogar com o mundo inteiro. Eu me preocupei muito com isso na hora de fazer o Sambadi e acho que isso chamou a atenção do Ed.

Mb: O que aconteceu com a música brasileira nestes últimos 20 anos?

Lucas: Houve um processo de degradação não é? Mas não só na música brasileira. De uma certa forma houve uma diminuição da música de qualidade nas rádios e na televisão; e isso faz com que a boa música fique mais restrita. Mas sendo sincero, eu não passo muito tempo lamentando ou pensando nisso. Tem um lado bom nisso tudo. Como as grandes gravadoras se dedicam em lançar produtos que vão gerar dinheiro rápido e com qualidade artística duvidável, quem quer fazer música com mérito artístico tem que se virar né? Gravar, produzir e divulgar seus próprios trabalhos de forma independente é um exemplo dessa “nova ordem” da música. Eu nunca fui ligado a essa cultura dos coletivos ou do “alternativo” mas entendo que é importante existir. Agora, é claro que gostaria que a Tania Maria,o Marku Ribas ou o Cassiano fossem tocados todos os dias na rádio, aparecessem na TV, sei lá! O mundo seria muito mais bonito! (Risos)

Mb: Comente sobre as suas principais influências em Sambadi.

Lucas: O Sambadi é essencialmente um disco influenciado pela música brasileira e pela música negra norte americana. Citando alguns artistas ou bandas, no Brasil: Azymuth, Robson Jorge & Lincoln Olivetti, Marcos Valle, Banda Black Rio. Nos EUA: Stevie Wonder, Curtis Mayfield, George Duke (especialmente o disco Brazilian Love Affair). Mas no geral tudo que ouvi de música a vida inteira acabam entrando como influências no disco: Rock, Blues, Jazz, Funk, Soul, Spiritual Jazz, Música Africana, Samba…

Mb: O que você acha do mercado estrangeiro ser o principal apreciador de artistas brasileiros como você?

Lucas: Acho muito natural! Eu sinto que na Europa e no Japão existe um olhar muito carinhoso com o artista brasileiro, especialmente aqueles que chegam com uma proposta mais universalista em termos de postura musical. O dialógo com os Djs/Produtores/Colecionadores de discos é profundo. Os caras conhecem discos feitos aqui que quase ninguém conhece. Acho que eles reconhecem muito facilmente as influências, as referências e etc. Mas aqui no Brasil também tem muita gente assim também, interessada em música boa. Eu sinto que em breve todo este bombardeio do mercado de música estritamente comercial vai entrar em colapso.

Mb: Como é o teu processo de composição?

Lucas: Não tem um padrão sabe? Eu componho no piano ou no violão, mas a música pode surgir de uma levada de bateria ou um riff de contrabaixo. Eu normalmente faço o tema principal e vou desenvolvendo o restante da música depois. Eu acho que as minhas músicas dependem muito do arranjo, da sonoridades dos instrumentos, das dobras de synths ou das percussões. O Sambadi é muito assim. Não são canções, entende? Ainda mais sendo um disco quase todo instrumental, os temas dependem muito da arquitetura do arranjo. E eu adoro também sentar na frente do computador, com os instrumentos todos ligados sem nada pré estabelecido. Ir gravando e compondo ao mesmo tempo. Tem um tema do Sambadi que nasceu assim, se chama Carnival. Tem uma outra faixa que gostaria de destacar: se chama Alma Nova, e é a faixa mais brasileira do disco. É uma Bossa Soul, e tem letra de um grande amigo chamado Fabricio di Monaco. Ele é uma peça fundamental do Sambadi. Foi ele que apresentou meu trabalho para a Favorite. Eternamente grato por isso! Grande músico e uma grande pessoa.

Mb: Em Sambadi você toca todos os instrumentos, produz, enfim, faz tudo. Influência dos discos oitentistas do Prince?

Lucas: Eu considero o Prince um gênio e sendo honesto contigo preciso até ouvir mais a obra dele, mas essa coisa de gravar tudo vem dos discos do Stevie Wonder. Eu adoro a sonoridade dos discos que ele gravou praticamente sozinho. Eu gosto de, por exemplo, o Stevie tocando bateria, sabe? Até gravei uma música chamada Wonder onde toco todos os instrumentos, incluindo a bateria. Mas não sou baterista! Foi uma brincadeira, que deu certo! (Risos). No Sambadi não gravei as baterias. Foi meu irmão quem gravou, Thiago Arruda, que também é multi instrumentista.

Mb: Quem você ouve hoje?

Lucas: Bem, as mesmas coisas de sempre. A lista é enorme, mas tudo que for relacionado a Jazz, Funk, Soul, Rock, Blues, Música Brasileira, AOR, Sunshine Pop, Yatch Rock e afins estou sempre ouvindo, principalmente até o inicio dos anos 80. É impressionante como cada dia aparecem coisas antigas que não foram devidamente ouvidas ainda. Como diz um amigo meu chamado Felipe Ribeiro daqui do Espírito Santo: são “Antigas Novidades”. Acho maravilhoso isso, uma sacada genial.

De coisas novas: gostei muito do Be Good do Gregory Porter. Acho ele é um cara incrível. Adoro a Esperanza Spalding também. O disco novo do Bluey, líder do Incognito, está maravilhoso e se chama Leep of Faith. O AOR do Ed, é uma obra prima. E estou super ansioso pra ouvir o novo disco do Jazzinho, grupo liderado pela super cantora portuguesa Guida de Palma.

Mb: Já há alguma apresentação do repertório do disco engatilhada?

Lucas: Infelizmente não. Não tive tempo de pensar nisso ainda, mas quero muito levar o Sambadi para o palco, embora eu tenho consciência de que é um disco difícil de ser tocado ao vivo. Como gravei quase tudo rola aquela coisa megalomaníaca do exagero, né? Vários canais de teclado, dobras e mais dobras de guitarras. Eu adoro isso! Só que depois, na hora de adaptar pro palco, fica complicado. Mas quero muito.

Mb: Discos como o Samba Raro, do Max de Castro ou o Dwitza, do Ed Motta, mostram que há artistas jovens se preocupando com uma certa tradição da música brasileira em sua vertente Samba/Jazz. Você vê o Sambadi como parte disso?

Lucas: Eu tenho recebido um ótimo retorno, do mundo inteiro, nesse sentido. Eu não posso dizer que o Sambadi vai ser lembrado daqui há alguns anos como Samba Raro e o Dwtiza são, pois considero esses discos clássicos, essenciais. Mas eu acredito que consegui pelo menos manter essa tradição e seguir essa estética. Até por que é o que mais escuto de música, e fiz o disco pensando muito nessas referências. Hoje quando vejo minha música em um mesmo contexto que o Azymuth, o Ed Motta ou o João Donato é uma grande emoção, pois esses caras são os meus heróis. Acho sim que o Sambadi faz parte deste “movimento”. Ele foi feito com este pensamento, e acho que a mensagem musical do trabalho vem sendo entendida e apreciada. Eu fico muito feliz, por isso.

Mb: O disco acabou de sair no exterior. Algum plano para lançamento no Brasil?

Lucas: Ainda não. O disco vai sair no Japão, em julho pela P Vine Records com duas faixas bônus mas no Brasil ainda não tem uma previsão. Pode ser que não aconteça com o Sambadi, mas o próximo quero muito que seja lançado por aqui. Já estou compondo e logo começo a pré produção do sucessor do Sambadi.

Mb: Como surgiu a idéia de fazer uma cover de Who’s That Lady, dos Isley Brothers?

Lucas: A ideia de gravar um cover foi do Pascal Rioux, presidente e fundador da Favorite Recordings, gravadora francesa que está me lançando lá fora. O Pascal é um cara incrível, visionário e sou muito grato pelo trabalho maravilhoso que eles vêm fazendo com o Sambadi. Não tínhamos uma música específica para o cover. Conversamos um pouco e eu dei a ideia de Who’s That Lady. Decidi fazer mais jazzística, com algumas mudanças de harmonia, com um sabor latino em algumas partes. Meu irmão Thiago tocou uma faixa de bateria linda nessa música.

Mb: Você acha que essa tendência do “quanto pior, melhor” pode se tornar preponderante na música nacional a ponto dos músicos mais talentosos serem forçados a fazer carreira no exterior e deixar o país à mercê dos sertanejos e pagodeiros?

Lucas: Eu não acho que vá chegar a esse ponto. Mas mesmo assim não deixa de ser desanimador as vezes. A massificação de coisas sem mérito artístico algum é muito prejudicial sim, mas não vai conseguir anular a produção musical de qualidade. Graças a Deus hoje existem caminhos alternativos para se divulgar e também ouvir e descobrir coisas boas. A internet esta aí pra isso. O que entristece é ver tanta gente sem talento algum por aí fazendo um super sucesso, enquanto alguns gênios morrem esquecidos. No geral, o Brasil é muito cruel nesse aspecto. Mas nunca generalizando, pois hoje vejo muita gente jovem interessada em conhecer coisas legais, pesquisando, se informando. De qualquer forma, concordo que existem determinadas estéticas musicais que são muito mais valorizadas e entendidas lá fora do aqui. A música é uma forma de arte e não apenas entretenimento né? Música é cultura! Assim como ler um bom livro ou assistir um filme clássico, ouvir um disco genial faz bem, faz a gente crescer. Gostaria muito que isso fosse a regra, e não a exceção.

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ARTISTA: Lucas Arruda
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.