5pra1: Os Originais do Samba

‘Sem a cadência do samba não posso ficar’ – um resumo de um dos grupos mais emblemáticos e inovadores do gênero

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A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

 

A trajetória começa na década de 1960, no clube dos baianos, quando eles se chamavam “Los 7 Diablos de La Batucada”, ou melhor, “Os 7 Modernos do Samba”. À época, ainda peregrinavam pelas noites de São Paulo até atravessar o mundo acompanhando artistas como Elis Regina, Jair Rodrigues e Elza Soares. Mas o status de “coadjuvante” nunca combinou com o grupo – eis que surgem então Os Originais do Samba, que revolucionaram não apenas a forma de compor, como também a de performar o samba.

O inconfundível e autêntico balanço se desenvolveu a partir de inspirações africanas, no quilombo contemporâneo das escolas de samba do Rio de Janeiro – berço onde se reuniam e se reúnem alguns do melhores ritmistas do mundo. Uma das marcas indeléveis da sonoridade criada pelos Originais vem do reco-reco, e o responsável pelo tempero foi o gigante Carlinhos do Reco-Reco, o Mussum, que incrementou e popularizou o instrumento, ao injetar um swing irresistível na forma de tocar. Inclusive, foi também Mussum quem, de forma pioneira, teve a ideia de colocar as cordas do cavaquinho no banjo, amplificando seu som – podemos ouvir o resultado em Samba Exportação (1971), quarto disco do grupo. A fusão entre samba tradicional, bom humor e inovações proporcionou um samba expansivo, que se distinguia daquele feito por nomes da época como Cartola e Paulinho da Viola. Somam-se a isso as notas tiradas pelo pandeiro de Bigode, cheias de um groove contagiante, que alimenta a base rítmica e faz, até hoje, casais cruzarem os bracinhos na onda do samba rock.

Isso sem falar da cuíca de Bidi, do tamborim de Lelei e do agogô de Chiquinho, além da marcação do surdo de Rubão (no contratempo, na linha do surdo de terceira, presente em sambas-enredo). Toda essa mistura permeada de ritmos africanos e ressoada em (e a partir de) uma atmosfera brasileira é Os Originais do Samba – o balanço dos guetos do Brasil e uma investida na direção contrária ao som das elites e de intelectualoides. Zelosos com figurinos, coreografias e presença de paço, Os Originais inspiraram e muito as performances do pagode dos anos 1990 e, durante tantas décadas, consolidaram ainda mais seu dialeto na hora de entoar o samba, com gírias e termos utilizados pelo povo preto da periferia.

Aqui vai uma seleção de 5 discos para você sentir toda a potência do que é Os Originais do Samba.

 

Os Originais do Samba (1969)

O disco de estreia da primeira formação do grupo foi um marco da música popular por apresentar, oficialmente, Os Originais ao mundo e por mostrar que as parcerias vinham com energia renovada, acompanhadas pela trupe. “Cadê Tereza”, presente de Jorge Ben Jor – incluída também em seu disco de 1969 –, ganhou regravações nos anos que se seguiram, mas a do disco dOs Originais segue imbatível.

Do início ao fim do repertório, emerge uma concepção autêntica e inovadora a respeito do samba, com pianos melódicos, levadas de violão ritmadas a batucadas e letras com ganchos de uma veia pop poderosa, munida pela junção de vozes. Uma estreia que cravou o lugar do grupo tanto no mercado quanto no imaginário popular.

Destaques: “Cadê Tereza”, “Rapaz do Violão” e “Até o Meu Final”

 

É Preciso Cantar (1973)

Os anos 1970 seguiram a todo vapor para o grupo e um dos pontos mais altos está em É Preciso Cantar, com repertório afiado e execução irrepreensível. São canções inéditas mescladas a regravações de grandes clássicos do samba, como “Saudosa Maloca”.

Com 12 faixas, o álbum destaca também uma das principais habilidade dOs Originais: a forma incrível de contar histórias. É admirável como o coral, ao estilo de roda africana, cria universos ricos e carismáticos. Entre as canções imortais do disco, estão “Falador Passa Mal” – composição de Jorge Ben Jor –, “Você Esqueceu” e a belíssima “Carnaval”. Ainda há espaço para homenagens a Pixinguinha (“Ao Velho Poeta Pixinguinha”) e a Roberto Carlos (“Os Sucessos de Roberto Carlos”)

Sempre digo para as pessoas que os discos foram meus livros de história – e com certeza esse disco fez parte da lição de casa.

Destaques: “Você esqueceu”, “Carnaval “Falador Passa Mal”

 

Pra Que Tristeza (1974)

Em qualquer final de semana de família preta de quebrada, se ouve Pra Que Tristeza (1974), inteiro, da primeira à última faixa. É um mergulho profundo em cada balanço e história dOs Originais, que aqui ousam mais nos arranjos, na brincadeira melódica entre vozes e na inclusão de elementos surpresas – como “Cabeça que Não Tem Juízo”, com sutis aparições de pianos jazzísticos em meio a pandeiro, surdo e cuíca. Tudo isso sem perder a essência que já havia caído nas graças do país.

Além de releituras de clássicos como “Samba do Arnesto” e sambas lindíssimos como a abertura “Saudade e Flores”, temos aqui uma das melhores demonstrações da aptidão para contar histórias: “Tragédia no Fundo do Mar (O Assassinato do Camarão)”. Se fizessem uma sitcom contando histórias da periferia na década de 1970, a trilha ficaria obrigatoriamente por conta dOs Originais.

Destaques: “Tragédia no Fundo do Mar” (O Assassinato do Camarão)”, “Saudade e Flores” e “Quem me Dera”

 

Clima Total (1979)

No fim da década de 1970, o grupo passava por transformações importantes: Nelson Fernando de Moraes, o Branca di Neve, entrou para o time. O cantor, compositor e percussionista paulistano, antes de se tornar referência celebrada do sambalanço e do samba rock, fez sua “faculdade” nOs Originais. Àquela altura, o grupo já acumulava quase 20 anos de estrada e surge com repertório mais maduro e múltiplo.

E como dizem por aí: quando você é feliz com você, você se permite amar mais – e aqui sentimos uma boa dose de romantismo nas letras Além de Branca di Neve injetando ainda mais tutano nas percussões, há uma utilização azeitada de metais pelo repertório (“Mané Marcou, Dançou”, “Na Mesma Rua”, “Massagem”). O grupo também consegue desacelerar com a mesma maestria, como na incrível “A Volta da Sorte”, na qual homenageia tantos personagens e rotinas das periferias. Sem perder o suingue, Clima Total trouxe uma profundidade maior no som e nos temas dOs Originais.

Destaques: “Na Mesma Rua”, “A Volta da Sorte”, “Baile Familiar”

 

Ontem, Hoje e Sempre (2013)

Meio século se passou, a porta giratória do grupo se movimentou diversas vezes e apenas Bigode permaneceu presente. Mas a roda sempre continuou, e Ontem, Hoje e Sempre é, sobretudo, uma celebração – à vida, à resistência e a continuar fazendo samba. E a nova geração, formada por Juninho, Rogério Santos e Marcos, foi devidamente criada na escola do suingue dOs Originais.

Com roupagem moderna, o disco de 2013 condensa o que Os Originais do Samba têm de melhor e eles chegam acompanhado por estrelas de primeiro escalão: Zeca Pagodinho (“Nega Virtual”), Reinaldo, O Príncipe do Pagode (“Quanto Mais Prazer”), e Benito di Paula (“Do Brasil e das Crianças”). Além de composições inéditas, o repertório traz releituras de canções eternas como “Não Deixa O Samba Morrer” e uma versão enérgica de “Fogo E Paixão”, hit oitentista de Wando.

Ontem, Hoje e Sempre atingiu mais de 5 milhões de plays nas plataformas digitais, mesmo sem investimento de uma grande gravadora – mais uma prova de que Os Originais do Samba são atemporais.

Destaques: “Do Brasil e as Crianças”, “Quanto Mais Prazer” e “Respeito de Bamba”

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