5pra1: Pharrell Williams (e The Neptunes)

Um primeiro guia para conhecer mais do trabalho da dupla de produtores que empurrou incansavelmente as sonoridades do hip hop

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Fotos: Clay Patrick McBride

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

1973 começou como um ano normal. Nixon tomou posse do seu segundo mandato nos Estados Unidos, enquanto no Chile, as forças armadas instauraram mais uma ditadura militar na América Latina. A primeira ligação do primeiro telefone móvel foi feita, e a Globo transmitiu O Fantástico pela primeira vez. Entre as perdas no mundo da arte, Pablo Picasso e Tarsila do Amaral. Por outro lado, nasciam dois seres que se tornaram inseparáveis: hip hop e Pharrell Williams.

Em Nova York, a cultura que viria a mudar a música mundial começa a florescer. Nos anos seguintes, captura cada vez mais os ouvidos e corações de jovens negros, latinos, asiáticos e imigrantes marginalizados, não demorando a chegar às praias de Virginia. Na banda da escola, o jovem baterista Pharrell Williams, então na sétima série, conhece o saxofonista Chad Hugo. Junto de Magoo e Timmy Tim (Timbaland), eles formam o grupo Surrounded By Idiots, que se separa antes de lançarem oficialmente algum trabalho. Permanecendo unidos, Pharrell e Chad são descobertos em um show de talentos pelo pioneiro do new jack swing Teddy Riley, que oferece o primeiro contrato da dupla – estava formado o The Neptunes.

Nos últimos anos, circulou uma imagem na internet dizendo que, “em 2003, Pharrell Williams produziu 43% das músicas nas rádios” americanas”. Ainda que essa informação seja falsa (um mal-entendido esclarecido aqui por sua autora), praticamente todo artista americano que teve um hit nos anos 2000, visitou o estúdio do The Neptunes. De JAY-Z a Madonna, passando por Gwen Stefani e Justin Timberlake, as baterias inconfundíveis e pontes magníficas produzidas pela dupla de Virgínia foram inescapáveis.

Através dos anos, o som da dupla, baseado em baterias eletrônicas cristalizadas e graves potentes coexistindo com sublimes acordes e melodias, misturados ainda a sons digitais que os fizeram protagonistas da “bling era” (“I make you bling like that Neptunes sound”), não parou de evoluir. Juntos, eles lançaram o ótimo quinto disco do N.E.R.D, Pharrell fez trilhas sonoras para a franquia Meu Malvado Favorito, beats para Kendrick Lamar e Tyler, The Creator em seus primeiros álbuns, o melhor disco da carreira de Ariana Grande, entre outros inúmeros trabalhos. Hoje, ser produzido e/ou apadrinhado pelo produtor é um atestado de qualidade para novos artistas.

Enquanto Chad Hugo é mais calmo e discreto, o típico gênio introspectivo que, com uma suposta despretensão senta no piano e encontra um acorde que soluciona a música, Pharrell Williams é seu oposto complementar: extrovertido e sempre em movimento, expandindo sua personalidade também para a moda, design e produtos de skin care. Separamos cinco discos produzidos por Pharrell Williams (solo ou pelo The Neptunes) para conhecer uma das sonoridades mais distintas – e, ainda assim, pop – desses 50 anos de hip hop.

 

Kaleidoscope (1999)

Kaleidoscope é conhecido por ser um dos discos mais subestimados do R&B experimental. O disco começa forte, com destaques como “Caught out There” (como não se surpreender com o disruptivo refrão “I hate you so much right now”?) e “Get Along with You”, mas, infelizmente, perde o foco no meio do caminho. Com músicas que vão de medianas a boas, acaba se tornando desnecessariamente longo. No fim do disco, “In The Morning” volta a elevar o nível do som, não nos deixando esquecer a qualidade de Kelis e do duo da Virgínia.

Apesar dos problemas que se desenvolveram desse triângulo amoroso musical, The Neptunes ajudaram Kelis a se moldar enquanto artista e Kaleidoscope – assim como a maioria do catálogo de Chad e Pharrell, envelheceu muito bem, sendo uma parada obrigatória no R&B experimental contemporâneo. Como muitos trabalhos da dupla, a imperfeição é uma marca, bem como a ousadia, o que sempre resultou em inovação e longevidade, com um saldo mais positivo do que negativo para a música rap e o R&B.

Destaques: “Caught Out There”, “Good Stuff”, “In The Morning”

 

Justified (2002)

Gravado em apenas seis semanas, Justified foi a estreia do líder do NSYNC como artista solo. As produções do The Neptunes, que dominam o disco, tem um ar sexy e exuberante, aliado a um romantismo mais equilibrado do que o de outros R&Bs modernos do início dos anos 2000. A fluidez na ordem das faixas, a transição entre os hits de pista e as canções mais lentas, além das pontes, são destaques.

Inegável é, também, a influência de Michael Jackson – percebida principalmente em “Rock Your Body”, uma nítida reverência a “Rock With You” (A irmã do Rei do Pop também aparece no disco). Somado a um coração partido por Britney Spears, outra gigante do pop, Justified foi sucesso global e rendeu os primeiros prêmios no Grammy para JT.

Destaques: “Señorita”, “Rock Your Body”, “Last Night”

 

In Search Of… (2002)

In Search Of…, o álbum de estreia do N.E.R.D (Pharrell, Chad e Shay) é como um clássico cult: quem gosta, gosta muito – mesmo com seus defeitos – e quem desgosta, desgosta na mesma intensidade – apesar dos excelentes acertos. Um disco que foi lançado com beats eletrônicos e regravado junto da banda Spymob após o descontentamento com a primeira versão.

Musicalmente, o disco se influencia em soul clássico, enquanto empresta baterias de breakbeat numa sonoridade Princeana que resulta, em seus melhores momentos, em uma interseção entre avant-funk, rap e funk rock. É o caso de “Tape You”, “Run To The Sun” e “Stay Together”, por exemplo. A falha está principalmente na rima, que nem sempre é tão sagaz quanto o som, especialmente quando tentam falar sobre questões sociais. De qualquer maneira, o disco segue, ainda hoje, uma audição incrível e um dos álbuns de hip hop mais aventureiros e intrigantes em um longo tempo. “In Search Of… fez mais por mim do que Illmatic” – Tyler, The Creator,

Destaques: “Provider”, “Run To The Sun”, “Rockstar”

Hell Hath No Fury (2006)

O terceiro disco do Clipse nasceu da frustração. Com um álbum de estreia subestimado, somado a mudanças constantes na gravadora que colocavam o segundo projeto da dupla em segundo plano, não houve solução a não ser vir com força total em Hell Hath No Fury. Coincidindo com o auge da produção do The Neptunes, HHNF é uma obra-prima, tido por muitos como o melhor álbum de “coke rap” da história.

O retrato das ruas de Virginia – a busca pela riqueza contaminada por arrependimento a paranoia – permeia todo o disco. O paralelo temático com as batidas ambiciosas de Pharrell aprofundou o significado da rima “Platinum on the block with consistent hits/ While Pharrell keep talking this music shit”, em “Grindin’”, clássico do disco anterior.

Destaques: “Mr. Me Too”; “Momma I’m So Sorry”, “Nightmares”

 

In My Mind (2006)

Magnum The Verb Lord foi o primeiro nome artístico de Pharrell Williams. Apesar disso, ele sempre se entendeu primeiro como um produtor e compositor. Talvez isso explique porque, até o final de 2005, o artista só tinha o single “Frontin’” para chamar de seu, mesmo tendo participado com sucesso em tantas músicas – seja como backing vocal para cantores de ofício ou no refrão de rappers como JAY-Z, Snoop Dogg e Pusha T.

Produzido inteiramente por Pharrell, com participações especiais de vários artistas cujas carreiras foram impulsionadas pelo The Neptunes, o álbum é dividido entre R&B e rap. Aqueles que desejam ouvir mais do lado mais suave de Pharrell ficarão satisfeitos com a direção que o álbum toma durante a segunda metade, quando seu usual comportamento convencido dá lugar a uma vulnerabilidade apaixonada. A mudança dá origem às melhores músicas do disco: “That Girl”, “Take It Off (Dim The Lights)”, “Stay With Me” e “Number One”, por exemplo. O trabalho ainda conta com um Prequel (uma série de freestyles em beats clássicos, hospedado por DJ Drama) e uma versão com banda, “Pharrell & The Yessirs” em parceria com Questlove, baterista do The Roots

Destaques: “That Girl”, “You Can Do It Too”, “Number One”

Bônus: The Neptunes Present… The Clones (2003)

Este álbum possui “Frontin’”, que é, discutivelmente, o videoclipe mais influente da história do hip hop (talvez isso seja até um tema para uma próxima coluna?) e isso já deve ser motivo o suficiente para, pelo menos, dar uma conferida.

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